WESTERN

"O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS, DE SOFIA COPPOLA, SUPERA, EM MUITO, O MESMO DE DON SIEGEL. 

 

É raro. Mas acontece. Segundo alguns críticos, remake é um tiro no escuro, ou quando muito, uma pretensão, ou então teimosia, mas superar o original?..... pois, com "The Beguiled" isto acontece.

E o feito deve-se a Sofia Coppola, talentosa diretora que já havia sentado pé em hollywood por trabalhos como "Encontros e Desencontros", de 2003 ou "As Virgens Suicidas", de 99.

E aqui, a moça refilmou uma obra emblemática que Don Siegel realizou em 1971 e que tanto deu o que falar à época. E a comparação entre os dois é inevitável. Embora diga que não se baseou no filme e sim no romance de Thomas Cullinan, os dois tem muita coisa em comum. Muitas tomadas e ângulos usados por Sofia são idênticos aos de Siegel. A fotografia é melhor trabalhada, mais leve, os enquadramentos menos dramáticos, o que faz com que a sutileza da diretora supere em muito a produção anterior.

A história se passa durante a Guerra Civil Americana, quando um cabo do exército, aqui vivivo por Colin Farrel, é encontrado ferido por uma das garotas do internato feminino dirigido por Nicole Kidman, no papel que na versão original coube a Geraldine Page.

Os conflitos que daí decorrem são de certa maneira suavizados por Coppola, que dá um tom menos erótico, bastante acentuado na versão anterior onde Clint Eastwood foi introduzido quase como um redentor de mulheres enclausuradas e sem perspectivas amorosas. Aliás, tem uma cena onde uma empregada negra, que Sofia não coloca, em que a mesma ao se referir ao pouco leite produzido pela vaca da localidade diz: "está secando, como nós". Eastwood parece lembrar o personagem de Terence Stamp em "Teorema", de Pier Paolo Pasolini, de 68. Se naquele, Stamp era um elegórico messianico, aqui o personagem é o macho predador, que se infiltra no meio de mulheres desafortunados. Ou seja, o lobo entre as ovelhas.

É claro que esta incursão da talentosa diretora num universo alheio a suas experiências anteriores causou um certo "frisson" no meio cinematográfico. Mas seu olhar mais intimista, sua delicadeza de matizes ora impressionistas e sua sensibilidade feminina levou a produção por um caminho mais onírico, menos repressivo, mais fantasioso, menos sexual. Não é por acaso que Sofia ganhou o prêmio de melhor direção no festival de Cannes de 2007.

É verdade que muitos preferem a versão de Don Siegel, mais impactante, dura, intensa e carregada de elementos repressores. Mas é bem salutar que o remake tenha dado uma conotação mais humana e sutil à versão anterior. Enfim, veja os dois e tire suas conclusões

Tópicos:

Produção: Universal

Elenco: Colin Farrel, Nicole Kidman, Oona Laurence, Angourie Rice, Kirsten Dunst, Elle Fanning, Angourie Rice, Emaz Howard.

Fotografia: Philipe Le Sourd

Música: Laura |Karpman

Montagem: Sara Flack

Figurino: Stacey Battat

EXECRADO PELO PRÓPRIO DIRETOR ''O PASSADO NÃO PERDOA'' É O PRIMEIRO WESTERN A FALAR SOBRE INTOLERÂNCIA RACIAL

Trailer:

Produzido em 1960, 'The Unforgiven" (O Passado Não Perdoa) até hoje, 57 anos depois, ainda divide opiniões, contra e a favor. Estranhamente um de seus maiores críticos é o próprio diretor. John Huston, que tem em seu currículo filmes como "O Homem Que Queria Ser rei", de 1975, "A Honra do Poderoso Prizzi", 85, "Relíquia Macabra", de 41, "O Tesouro de Sierra Madre", de 48, é um de seus maiores detratores. Em sua autobiografia "An Open Book", de 1980, diz que primeiramente foi um erro ter aceito os 300 mil dólares oferecidos pela Hecht-Hill-Lancaster para a direção. 

- Julguei ver no texto de Ben Maddow o potencial para um filme mais sério - e melhor - do que ele ou a produtora e Burt Lancaster, um deles, pretendiam fazer. Eu queria transforma-lo na história da intolerância racial de uma cidadezinha de fronteira, um comentário sobre a verdadeira índole da moralidade comunitária. Mas esbarrei na oposição da produtora. O que eles queriam era o que infelizmente eu concordei em fazer quando aceitei o convite. Um filme de mocinho sobre um heróico pioneiro. A partir daí foi tudo por água abaixo".

Apesar da definição de Huston sobre o filme "o pior de minha carreira", "O Passado Naõ Perdoa" tem alguns elementos que com o passar dos anos foram no caminho inverso sobre o que ele disse.

Primeira conta com um elenco de peso e com atuações corretas, aliás, Huston sempre foi um grande diretor de atores. Segundo, a história, a partir de uma novela de Alan le May, de 1955 tem impacto e grandiosidde ao contar a história de uma família de colonos no século XIX, no Texas.

Os Zachary, formada pela mãe Mattilda (Lilias Gish), Ben (Burt Lancaster), Cash (Audie Murphy), Andy (Doug McClure) e Rachel (Audrey Hepburn) tem histórias obscuras em seu passado. A principal é que a filha foi sequestrada dos índios Kiowa quando criança e estes pretendem reaver sua perda. Situação inversa do filme "Rastros de Ódio" de John Ford, de 1956, quando os índios raptam a filha de colonos, esta situação é que permeia boa parte da trama bem como a convivência tumultuada dos colonos com seus vizinhos, numa relação de desconfiança, ódio e que se mostram exacerbadas em muitos aspectos.

Outra situação que o filme mostra é o racismo e a intolerância racial, esta sim, bem acentuada. Se em centenas de produções do gênero a matança sempre se ateve a uma questão de conquistas e sobrevivência étnicas, aqui o que se sobrepõe é a reparação de injustiças e a discriminação para com a comunidade indígena. Tudo isto tornaram a produção de uma dramaticidade intensa, complexa e poderosa.

Dentro do roteiro existem histórias paralelas como por exemplo a atração incestuosa entre Rachel e Ben que é bastante acentuada pelo roteiro. E isto fica evidente em várias cenas protagonizados pelos meio-irmãos.

Com enquadramentos bem apurados, fotografia limpa e uma trilha a cargo de Dimitri Tiomkin, o filme mostra uma bela história e apesar de ser truncado e com muitos personagens secundários que compõem o universo dos Zachary, mostra-se como um autêntico Western, com toda a dramaticidade inerente ao gênero dentro de seu aparato mítico. Brigas entre vizinhos resentidos, o ataque indígena a cabana da família, a vida dura dos colonos em sua sobrevivência diária e os desejos reprimidos de seus personagens lhe conferem autenticidade e coerência.

Interessante ressaltar é que os críticos consideraram a atuação de Audie Murphy como uma de suas melhores na carreira, assim como em "A Glória De um Covarde", (The Red Badge of Courage), de 1951, também de John Huston. Acontece que Audie nunca foi ator, apenas a tela lhe mostrou um caminho rentável para quem foi condecorado por bravura em batalhas na 2ª Guerra Mundial e apesar de ter feito mais de 30 produções do gênero, estas sempre foram de segunda linha, apenas explorando seu nome e carisma.

Produção tumultuada (ver nos tópicos) e embora não seja brilhante, apesar do menosprezo de seu diretor, não pode ser considerdo um filme menor. Ao contrário, é uma história que vai prender sua atenção, tensionando sempre seus protagonistas numa temática instigante de rancores e violência, e que o tornam, com todos estes elementos, relevante e poderoso em sua proposta de gênero.

Tópicos:

  • Elenco: Burt Lancaster, Audrey Hepburn, Lilian GHish, Audie Murphy, Doug McClure, Charles brickford, Albert Salmi, John Saxon;
  • Roteiro: Ben Maddow;
  • Baseado numa novela de Alan Le May, de 1957;
  • Produçaõ: Hecht-Hill-Lancaster, James Productions;
  • Filmado em durango, no México;
  • Estúdio: United Artists
  • Houveram muitos acidentes durante as filmagens. Audrey Hepburn sofreu uma queda do cavalo e em decorrência disto teve um abôrto e ficou duas semanas se recuperando. Audie Murphy foi caçar patos e o barco em que estava virou e como o ator não sabia nadar foi salvo por uma fotógrafo que estava no local. Três técnicos que trabalhavam no filme tiveram um acidente com um pequeno avião que os transportavam para o local e vieram a falecer.

MARLON BRANDO: OU QUANDO O 'SUPER-EGO' DIRIGE O 'EGO' TEMOS 'A FACE OCULTA'

 
Quando o senhor Brando era apenas um ator dirigido por diretores cascudos como Francis Ford Coppola em "The Goodfather", Gilles Pontecorvo em "Burn", Bernardo Bertolucci em "Last Tango in Paris" ou mesmo Johnny Depp em "The Brave" (sim ele já foi dirigido por Depp), já aprontava e batia de frente com todos eles, mesmo aqueles que o dirigiram em início de carreira como Fred Zinnemann em "The Men" ou Elia Kazan em "A Streetcar Named Desire", então imaginem o tumulto que foi no set quando Brando dirigiu..... Brando....
 
E foi o que se deu em "One-Eyed Jacks" (A Face Oculta), produção de 1959. O roteiro começou a circular ainda em 1958 escrito por um então ilustre desconhecido chamado Sam Peckinpah. Não tendo sido aprovado pela Paramount no ano seguinte Sam foi dispensado e em seu lugar entrou Guy Trosper, que sob os olhares de Brando deixou um roteiro bem acabado da história "The Autentic Beath of Endry Jones" de Charles Neider.
 
Contam que além de Peckinpah, que mais tarde se tornaria um dos nomes fortes do gênero western, Brando, que era o dono da produtora também demitiu um iniciante chamado Stanley Kubrick, que estava cotado para a direção.
 
A história conta um assalto a banco praticado por um trio, que após uma morte vira uma dupla. Dad Longworth (o excelente Karl Malden) consegue enganar seu parceiro Rio (Brando) e fica com o produto do roubo. Após 5 anos preso Rio foge e junto com novos parceiros planejam assaltar o banco de Monterrey. O que ele não contava é que seu desafeto fosse o atual xerife desse pequeno lugar esquecido do mundo.
 
Claro que é a partir do encontro dos antigos parceiros que o filme cresce psicologicamente e que a relação entre os dois se dá num plano de estranhamento, entremeado de sutilezas e matizes de suspense já que os dois estão em lados opostos.
 
O projeto tinha previsão de ser feito em 60 dias, mas acabou somente após 180, bem mais do que o previsto. E em meio a isso Brando começou a namorar Pina Pellicer, uma mexicana aspirante a atriz, mesmo tendo reatado com um antigo 'affair', Movita Castenada, que estava grávida dele. Ou seja, isso daí já daria um roteiro tão explosivo quando o do filme em questão. Isso sem falar no caso que tivera com Katy Jurado, também no elenco de "A Face....'.
 
Os rolos entregues por Brando tinham cerca de 5 horas de duração e terminava com a morte dos dois protagonistas. Claro que a Paramound não aceitou. E em 1960 o estúdio juntou Brando e Pina Pellicer e filmou outro final.
 
Em 1961 "One-Eyed Jack" finalmente entrou em cartaz. Fracasso total. Execrado por crítica e público acabou de vez com a carreira de diretor que Brando almejava.
 
E como por essas e outras que nem os coiotes da ravina conseguem explicar foi com o passar dos anos (muitos) que o filme passou a ter um novo olhar e foi sendo redescoberto pelos fãs do gênero que o tornaram cult, reverenciado agora por uma crítica menos radical e mais atenta aos valores estéticos que adornam o gênero maior do cinema americano.
 
É um clássico western que décadas depois teve o reconhecimento, devido a uma mea-culpa daqueles que bateram nas aspirações autorais de senhor Marlon Brando, que apesar dos tumultos que causou por onde passou e de sua libido mal resolvida nunca deixou de ser o que sempre foi: um artista genial. Um homem que acrescentou em seu meio e que deixou uma marca tão profunda que levou uma geração de novos atores a mergulhar de cabeça na arte interpretativa e se aprofundar no estudo do papel como Brando fez quando entrou para o "actor studio". Por tudo isso, se você tiver oportunidade de ver "A Face Oculta", faça sem medo de errar pois no mínimo é um grande filme.
 
 
Tópicos:
 
  • Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Slim Pickens, Ben Johnson, Katy Jurado, Elisha Cook Jr, Pina Pellicer, Timothy Carey;
  • Fotografia de Charles Lang;
  • Montagem de Archie Marslek;
  • Trilha Sonora de Hugo Friedhofer;
  • Estúdio Paramount;
  • Produtora Penneabaker Productions;
  • A atriz Pina Pellicer, que teve um caso com Brando durante as filmagens suicidou-se tempos depois. Claro que sobrou pra ele;
  • Dizem que Brando ficou durante dias filmando uma cena na praia até conseguir a onda perfeita para a cena.
 
 

"RIDE THE HIGH COUNTRY" A SEMENTE DA VIOLÊNCIA DO ICÔNICO SAM PECKINPAH

 
Egresso da TV onde realizou inúmeros westerns-séries como Rifleman, The Westerner, Broken Arrow, foi somente em 1962 que o estadunidense Sam Peckinpah (1925-1984) disse a que veio.
 
"Ride the High Country" (Pistoleiros do Entardecer) não é apenas um belo e mítico western. É muito mais. Primeiro porque reuniu duas feras (três se contarmos o diretor) do gênero: Joel MacCrea, que já vinha com um belo currículo em produções menores de Hollywood e o não menos conhecido Randolph Scott, uma lenda viva do cinema americano em sua despedida das telas. Só não tenho certeza se Scott fez mais papéis no gênero que John Wayne, mas com certeza deve ter batido na casa de umas 80 produções com a temática do Velho Oeste.
 
Filmado totalmente em locações nas florestas de Inyo, em Sierra Nevada, na Califórnia, o diretor de fotografia Lucien ballard soube extrair tudo o que o ambiente lhe proporcionou, com belas tomadas em paisagens realmente contemplativas.
 
O filme relata o fim do homem duro do oeste, do mítico cowboy, isso dentro de uma fase de transição histórico-cultural, e conta a amizade de dois velhos amigos Steve Judd (Scott) e Gil Westrum (McCrea) que realizam um último trabalho ao transportarem uma carga de ouro de mineiros para um banco de uma cidade sede.
 
É nesse enredo simples que Peckinpah desenvolve seu olhar apurado sobre as relações que perneiam a história dos dois companheiros. Primeiro a incursão em um mundo de violência que já haviam deixado para trás. Segundo a questão ética da traição que atormenta a dupla. Terceiro, a cobiça que estremece tanto Steve e Gil, e que se denota em sutis olhares e frases entrecortadas a respeito do poder do dinheiro.
 
Ainda sem usar suas famosas cenas em câmera lenta, aqui já aparece a marca registrada do diretor beberrão e iconoclasta que tanta dor de cabeça deu a indústria hollywoodiana que dele se serviu e vice-versa. É na destruiçaõ dos velhos valores com a chegada de uma moderna civilização que Sam assenta sua narrativa. Temos a honra como valor principal e toda a questão da violência que seus personagens carregam e que em um momento ou outro irão aflorar de maneira incontrolável, e que o diretor mostrou com maestria em produções posteriores como "The Wild Bunch" e principalmente em "Pat Garret and Billy the Kid".
 
Outro achado do diretor é a presença da jovem Elsa Knadsen, papel que coube a Mariette Hartley, que dá um toque, digamos assim, feminista no cenário selvagem e dominado por rudes cowboys.
 
Então o que fica é que Sam Peckinpah acerta a mão naquele gênero que mais lhe rendeu elogios, talvez porque o irascível diretor se identifique um pouco com cada um dos personagem que passeiam em seu universo fílmico. Filmaço, do início ao fim.
 
 
Tópicos:
 
  • Elenco: Randooph Scott, Joel McCrea, Mariette Hartley, Ron Stair, Aron Starret;
  • Roteiro: N.B. Stone Jr.;
  • Produção: Richard E. Lyons para a Matro Goldwyn Mayer;
  • Fotografia: Lucien Ballard;
  • Trilha Sonora: George Bassman.
  • O filme pode ser visto com tradução para o português na Internet.

"UNFORGIVEN", UM WESTERN POLITICAMENTE INCORRETO

 Veja o trailer: 

"Unforgiven" (Os Imperdoáveis), western dirigido por Clint Eastwood e que ganhou o Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção de 1992 vai além, eu diria até, muito além dos aspectos formais do gênero. 

Primeiro porque ninguém, à época filmava mais faroeste, considerado então decadente; segundo, Eastwood já tinha feito uma dúzia deles e, portanto, que mais poderia acrescentar; terceiro, o mítico gênero poucas vezes foi reconhecido na festa do Oscar, exceção de "Cimarron", de 1931 e mais recentemente "Dança com Lobos", de 1990.

Acontece que "Unforgiven" não é um filme como os outros, ele é, por assim dizer, bem mais. Se não fosse o que é talvez fosse chamado de thriller psicológico, ou drama existencial, ou até talvez um faroeste esquisito, coisa que com certeza não é.

Na trama um "retired" pistoleiro de nome William Munny (o próprio Eastwood) leva sua miserável vida em seu miserável rancho, chafurdando literalmente na merda de seus porcos de criação. É, a vida é dura, os anos de pistoleiro ficaram para trás, agora Munny precisa cuidar de seus filhos já que sua esposa faleceu. É um homem amargurado, sofrendo para se adaptar num mundo diferente daquele que conheceu e viveu. 

Aqui já se apresenta a primeira ruptura do cliche tradicional, pois este perfil sempre assentou na figura do homem mau, do bandido inescrupuloso e jamais do protagonista principal, o herói americano que montado em seu cavalo desbravou o oeste. Então isso por si só já é uma inversão de papéis, a quebra de paradigmas.

Um dia Munny recebe uma oferta em dinheiro para acompanhar o jovem e desconhecido Schofied Kid (Jaime Woolvett) que se lhe apresenta, para fazer um trabalho numa cidade não muito distante dalí e matar dois caras que retalharam o rosto de uma prostituta que juntou economias com a ajuda de suas colegas e agora busca vingança.

Aqui é outro ponto em que fica bem delineado a ruptura temática do gênero já que as prostitutas sempre foram figuras secundárioas, à margem, e não é o que acontece. A desdita passa a ser o que move toda a ação. É o mote para o que virá. É a causa e o efeito de todos os personagems que vão aparecendo pelo caminho, como o xerife, interpretado de maneira magistral por Gene Hackman, o forasteiro que chega ao pequeno povoado com banca de matador (Richard Harris), o parceiro de Munny, Ned (Morgan Freeman) e é claro, as prostitutas, todos eles verossímeis e densamente humanos.

É com estes elementos que Eastwood vai desconstruindo, aos poucos, cena a cena, o mítico pistoleiro do velho oeste. Ora, Munny já tem dificuldades para montar seu cavalo, assim como não sabe como responder à pergunta de seu parceiro Ned de como supre a falta de sexo, se com a mão. São diálogos assim que dão ao filme uma densidade psicológica como jamais se viu antes.

A direção é segura, com cenas enxutas, simples, sem a grandiosidade cênica de que o gênero sempre se apropriou. Roteiro original de David Webb Peoples (de Blade Runner), "Unforgiven" é como o rio, que só vai, não volta e não para. O trio de justiceiros quer apenas ganhar de forma rápida um dinheirinho para almejar alguma coisa a mais em suas decadentes vidas. E é na cidade de Big Whiskey que as coisas se mostrarão realmente como são. A morte está sempre a espreita, o passado de William Munny vez que outra aflora de forma cruel a lhe mostrar o homem que foi, sem escrúpulos, indigno, assassino perverso num mundo não tão distante do atual.

Filmado em locação, a produção tem uma direção impecável, principalmente nas cenas noturnas, nos bares parcamente iluminados por velas e lampiões o que realça cada personagem de acordo com sua característica: ora amargo, ora sombrio, ora aflito. Tudo isto reforçado pela trilha sonora de Lennie Niehaus, com pontuações nostalgicas e melancólicas.

A cena final, ou seja, o duelo no bar, onde Munny enfrenta o xerife e todos os seus comparsas é de uma crueza que chega a doer na alma. Alí já não temos mais o pacato pistoleiro aposentado, mas sim o insano personagem que ele tanto queria esquecerr e que assume por inteiro a situação. Cada diálogo, cada olhar, cada gesto dos presentes é um bailado pontual e revelador. Não há espaço para titubeio. As frases são curtas e definitivas. É o confronto que se apresenta e dalí não sairão vencidos nem vencedores. Todos perderão. "Sim, sou William Munny e já matei tudo que rasteja em cima desta terra. Homens, mulheres, velhos. Não deixei ninguém vivo para contar a história. E é o que pretendo fazer aqui. E se alguém ficar vivo um dia voltarei e vou dar cabo dele também". 

É um conteúdo bastante explícito, não existem personagens bons ou maus. O próprio jovem que recrutou Munny e Ned se revela uma fraude, já que ao contrário do que sempre alardeava, nunca matou ninguém, e ainda por cima é míope. Por sua vez Munny e Ned são a negação do que sempre foram. A idade chegou e os deixou fora de combate, presos a um passado sem volta. E o interessante aqui é que o filme coloca em xeque o passado do gênero, a figura do herói, das lendas que se criaram em torno disso, todos os valores morais e éticas que foram construídos durante um século de cinema. 

Por isto e por muito mais é que "Unforgiven" está colocado na lista de um dos maiores filmes de westerns já realizados e não só dentro do gênero, de todos os tempos. É uma despedida digna e elogiada de Clint Eastwood que nunca mais se dedicou a seu papel preferido.

Tópicos:

  • O filme foi rodado em apenas 39 dias;
  • O tema principal foi composto pelo próprio Clint Eastwood;
  • Nos créditos finais aparece a mensagem "dedicated to Sergio (Leone) and Don (Siegel), mestres de Clint;
  • Em 2007 "Unforgiven" foi escolhido como o n° 68 melhor filme de todos os tempos e o 4° entre os maiores faroestes de todos os tempos no ranking do American Film Institute;
  • Gene Hackmann ganhou o Oscar de ator coadjuvante;
  • O filme ganhou o Globo de Ouro como filme, para melhor ator e também coadjuvante;
  • Gene Hackman ganhou ainda o prêmio BAFTA como ator coadjuvante;
  • Ganhou também os Oscars de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Montagem.

 O WESTERN QUE DEU STATUS AO GÊNERO

 

 Veja o trailer:

Stagecoach, ou No Tempo Das Diligências, de 1939 foi o filme que marcou definitivamente a história do western no cinema americano.

Pode-se afirmar que foi a partir dele que o gênero, até então denominado  de sub-produto “B”, de produções de baixo orçamento, passou a ser tratado com primazia pelos grande estúdios.

Eu tudo isto se deve ao seu diretor John Ford, então um jovem e dinâmico empreendedor já com uma bagagem de pelo menos 20 anos de experiência e que vinha estudando e aprimorando cada vez mais um estilo que faria escola no cinema mundial.

Ford comprou os direitos do conto “Stage to Lordsburg”, escrito por Ernest Haycox, uma adaptação de “Bolo de Sebo”, de Guy de Maupassant. Ofereceu para alguns produtores como Darryl F. Zanuck, da 20th Century Fox, David O. Selznick, da MGM mas acabou mesmo nas mãos do produtor independente Walter Wanger, que lhe ofereceu um orçamento de apenas 562 mil dólares para a produção, o que foi aceito pelo diretor, que se submeteu a uma redução de seu próprio salário.

A grande sacada do filme foi reunir vários personagens e suas histórias dentro de uma diligência que conduz o cocheiro, o xerife, uma prostituta, uma mulher em busca de seu marido, um jogador de cartas, um exportador de bebidas e um pistoleiro nem tão malvado assim vivido por John Wayne.Aliás, a primeira cena em que ele aparece é um primor desconcertante do diretor que faz a câmera se aproximar de uma forma um tanto tremida até focar no rosto de Ringo.

Isso tudo dentro, porque fora, o cenário escolhido não poderia ser mais deslumbrante. Pela primeira vez o Monument Valley, que marca as divisas dos estados de Utah, Colorado, Novo México e Arizona, e que atualmente é uma reserva dos índios Navajo, foi mostrado em todo seu esplendor, tornando-se um dos elementos principais do filme e a partir dele cenário de mais de uma centena de outros faroestes.

Outro elemento que elevou o nível da produção foi a montagem de Otto Lovering e Dorothy Spencer, que junto com o diretor se viram forçados a realizar devido ao minúsculo espaço no interior da diligência. Ela é ágil, dinâmica, entrecortada por pequenos planos e contra-planos, onde o diálogo é dispensável, até porque a câmera fala pelos personagens. Isso não atrapalha a narrativa, pelo contrário, lhe dá um ritmo envolvente e intenso, principalmente nos planos abertos, como na perseguição dos índios, que é um dos pontos altos do filme.

É sabido por todos que John Ford sempre foi um diretor ufanista ao extremo, que nunca escondeu seu nacionalismo exacerbado, seu engajamento ao stablishment norte-americano, seu desprezo pelas nações indígenas. Aliás, o chefe Gerônimo nunca é mostrado, apenas citado. Em suas produções do gênero os índios sempre foram os maus, ao contrário dos soldados que sempre tiveram tratamento de heróis.

Isto no entanto não tira o brilho de “Stagecoach”  como obra cinematográfica, nem apaga todas as inovações que o diretor legou para os que vieram depois. Ele sabe filmar como poucos, sabe mostrar planos e contra-planos, travelings e seqüências sem perder um detalhe de enquadramento, plano alto, linha do horizonte, etc. Seu legado em montagem e  decupagem é notório. O cara sabia, mesmo o que estava fazendo.

O preto-e-branco, aliás era o que se tinha na época,  acentua o patriotismo de seus personagens e atenua um pouco certos exageros estilísticos a que Ford se permitia. Vale destacar a trilha sonora de Gerard Carbonara, que marca praticamente todo o filme com temas e  efeitos que pontuam cenas ao longo da produção, quase sempre num ritmo de marcha militar ao som de trumpetes e cordas.

O filme também inicia uma colaboração entre o diretor e John Wayne, que teria aqui o seu primeiro papel de destaque. Enfim, No Tempo das Diligências vale sempre rever para pelo menos admirar como os caras faziam cinema há mais de 70 anos atrás.

Tópicos:

Produção de Walter Wanger, de 1939;

Roteiro: Ernest Haycox, Duddley Nichols, Bem Hert;

Elenco: Claire Trevor, John Wayne, Andy Define, John Carradine, Thomas Mitchel, Louise Platt, George Bancroff, Tim Holt, Tom Tyler;

Fotografia: Bert Glennon;

Música: Gerard Carbonara.

Curiosidades:

O produtor Walter Wanger não queria John Wayne no elenco porque este era muito identificado com produções “B”. Foi devido a insistência de Ford que Wayne foi aceito.

Dizem que Orson Welles teria assistindo a película pelo menos 40 vezes enquanto planejava sua obra-prima de 1940, Cidadão Kane.

Aliás, uma vez perguntaram a Kane quem eram os 3 maiores diretores. A resposta foi a seguinte: John Ford, John Ford e John Ford.

 

 

 

 

UM WESTERN MÍSTICO E ESPIRITUALISTA


Assista ao trailer:

Dead Man, de 1995, é um faroeste pra lá de estranho. Existencialista, místico, desconstroi de tal forma  o gênero máximo do cinema americano que o leva para uma região próximo de uma narrativa hipnótica,  messiânica e underground.  O que aliás, não é de se estranhar quando se trata de um filme de Jim Jamursch.

No início somos apresentados a figura de William Blake, (mesmo nome do poeta, a quem o filme faz referências muitas vezes), contabilista que viaja de trem de  Cleveland até uma cidade chamada Machina, nos confins do velho oeste, atrás de um emprego. William é um errante no lugar errado. Usa terninho quadriculado, óculos de caixa-de-banco, gravata borboleta, unhas bem aparadas e um chapeuzinho que é um encanto. Pode? Sim, se cair nas mãos de um cara como Johnny  Deep e de um diretor como Jarmusch.

Na viagem William vai olhando a paisagem como que não entendendo bem onde vai se meter. Aliás, os personagens que aparecem durante todo o filme são figuras que só podem ter saído de uma mente endiabrada, tal a densidade psicológica que conseguem passar, mesmo quando em papéis pequenos ou aparições meteóricas. Quando estes começam a atirar nos búfalos através das janelas o olhar de espanto do nosso “mocinho” que se esconde atrás de sua mala é hilária e emblemática, pois ficamos a nos perguntar: o que esse cara ta fazendo ali?

Na cena em que ele chega a cidade, se é que podemos chama-la assim,  é de causar inveja a qualquer grande diretor do gênero. Prostitutas fazendo sexo nos becos, caçadores de peles misturados com vacas, porcos, tipos que parecem ter saído de outro mundo, casas velhas e tortas, é a ante-sala do inferno.

Jarmusch pratica aqui sua habitual narrativa de produções anteriores como “Stranger than Paradise”, Down By Low”, ou seja, a falta de pressa, o desenrolar arrastado, a ambientação que se transforma em elemento principal, as improvisações dos atores quase todos vestidos de forma espalhafatosa, takes longos e cortes precisos, e uma música pictórica e instigante, a cargo de Neil Young.

O bom moço no entanto chega com um mês de atraso, fica sem emprego, sem dinheiro, sem perspectivas e ainda pra piorar, dorme com a mulher do filho do patrão (Robert Mitchum, em um de seus últimos trabalhos) da fábrica que lhe prometera trabalho, mata o filho (Gabryel Byrne) deste, noivo da moça e passa a ser perseguido por todos os piores homens-maus do lugar. É pouco ou quer mais? Aliás, o trio contratado para matá-lo se não rouba as cenas em que aparecem é porque contracenam com Deep, Alfred Molina, John Hurt, Jared Harry, Lance Henrikesen, Steve Buscemi, ou seja, é briga de cachorro grande, cada qual mais inspirado e porque não, pirado. Coisa que somente diretor talentoso consegue. A cena em que um dos pistoleiros diz que é melhor começar o trabalho na manhã seguinte, porque já está escurecendo é uma das tantas hilárias e que faz  você perceber que não está diante de um filme comum. Aliás, um dos matadores, dormindo na beira da fogueira, abraçado a um ursinho de pelúcia é qualquer coisa impagável, bem como Iggy Pop vestido de mulher.

A transformação psicológica de Blake, que pouco a pouco vai incorporando o ambiente à sua personalidade se dá de forma não apelativa, sem uso de clichês. Acontece no ritmo do filme, que é lento, platônico, indulgente. Quando ele encontra o índio chamado Nobody (ninguém), cresce espiritualmente com as sacadas do novo companheiro, uma mente iluminada e que ao saber do nome Wiliam Blake o confunde com o poeta, a quem admira, e passa a trata-lo com deferência. É o Índio quem recita seus poemas “Uns nascem para um doce prazer, outros para  a noite eterna”.  Bem diferente do primeiro diálogo quando este pergunta: “Tem tabaco”. Ao ouvir um não, responde: “estúpido e maldito homem branco”. Simples coisas de roteiro enxuto e falas inspiradas.

Se alguns críticos se referiram a Dead Man como um neo-western espiritual, até por referências ao William Blake, poeta e pintor inglês do século XIX, cultuado por beatniks, místicos e uma geração de admiradores, é bem verdade que então Clint Eastwood desmistificou o gênero com o ótimo “Os Imperdoáveis” que inclusive ganhou o Oscar de melhor filme. Deixando um pouco os conceitos de lado pode-se afirmar que este é um daqueles filmes raros, ou você gosta ou odeia e com tiradas pra lá de geniais como na fala final entre o personagem Blake e o Índio Nobody que lhe diz:

- É hora de você partir, Blake, voltar ao lugar de onde veio.

- Você quer dizer Cleveland?

- Não. De volta para o lugar de onde todos os espíritos vieram e para onde todos os espíritos retornam. Este mundo não vai mais lhe interessar.

Tópicos:

  • Foi indicado ao prêmio de melhor filme de Cannes de 1995.
  • Fotografia de Robby Muller (Sobre Café e Cigarros, Dançando no Escuro, A Festa Nunca Termina).
  • Produzido por Pandora Filmes.

 

              “SHANE’ O MAIOR DE TODOS OS WESTERN

Assista o trailer aqui:

O que se pode dizer dele é que é simplesmente perfeito. Não há um fotograma desnecessário, um diálogo fora do tom, uma seqüência desnecessária ou uma interpretação exacerbada. Isto é o que podemos dizer desta produção de 1951 e lançada em 1953 dirigida pelo californiano George Stevens em sua primeira e única incursão no gênero.

 A história é aparentemente simples, banal de pequenos fazendeiros que querem apenas viver da terra e que são ameaçados por um grande criador de gado que deseja tomar suas posses. Nada que o gênero não tenha mostrado antes. Só que o diretor supriu o personagem de uma densidade psicológica nunca antes vista e isto tudo dentro de uma estética apurada onde vários elementos míticos se revelam. E tudo isto nos é mostrado pelos olhos de Joey (Brandon de Wilde), filho de um dos rancheiros que na primeira  cena do filme visualiza em meio a suas brincadeiras a chegada do cavaleiro solitário (Alan Ladd) que ali, no olhar inocente da criança já começa a ser mitificado. A partir daí os elementos estéticos, arquétipos de seu próprio estilo, vão costurando uma sofisticada rede de histórias que nada mais é do que a luta do bem contra o mal.

Quando Shane se prepara para partir depois de pedir água, o fazendeiro Joe Starret (Van Heflim) recebe a visita do barão do gado Ryker (Emile Meyer) que junto com seus capangas ameçam o lavrador. Inesperadamente surge a figura de Shane que interfere na cena dizendo-se amigo de Joe o que causa um impacto nos visitantes indesejado e introduz o novo visitante no seio da família.      

 Shane, que no Brasil teve o infeliz título de “Os Brutos Também Amam” (aliás, o tradutor deve ter tido algum pesadelo com sua mãe sendo currada ou coisa do gênero) é cheio de significados que dramatizam sua essência a ponto de abalar até Marian (Jean Arthur) a mãe do garoto que percebe a solidão do personagem e a sua busca por algum lugar onde possa encontrar sossego o que, com certeza, não será nesse ambiente conflituado e bruto.

As locações nas montanhas do estado americano do Wyoming tem uma fotografia belíssima  de Loyal Griggs, com uma trilha pontual e pictórica de Victor Young que faz um contraponto a estrutura narrativa que se desenvolve. Os diálogos são enxutos como quando o pequeno pergunta ao pistoleiro porque ele não usa suas armas ao que ele responde: “talvez porque não veja tantos bandidos quanto você”. Aliás o primeiro tiro é dado apenas na metade do filme que por insistência do menino faz Shane usar sua arma. E não é um tiro comum pois devido a um efeito especial ele mais parece um trovão, que arrega-la os olhos do menino e o fazem antever o que virá pela frente.

 Aliás a interação entre os dois é constante e começa a se processar uma comunicação entre a mitologia do herói e a infância como uma fábula a ser contada para os espectadores.

 Fruto de uma montagem bem acurada e de um trabalho de som bastante denso o filme nos mostra um cenário árido e embrutecido o que não é nada mais nada menos do que a característica daqueles que o habitam. Os aspirantes a herói se sucedem ao tentar barrar as investidas do senhor das terras e que pagam com suas vidas o enfrentamento desigual. Nada é de graça, tudo tem seu preço, o jogo está colocado e cada um escolhe seu lado. Não há como fugir, o destino espreita logo ali, atrás de alguma moita, de uma sombra ou mesmo nas margens do riacho que separam a comunidade agrícola da cidade dominada pelos ganadeiros. O que se sucederá todos já sabem, embora o temam, e mesmo Shane sabe que não tardará a sua vez de jogar a seu modo, o único que ele conhece, pois já o fez inúmeras vezes e sabe como termina. A partir daí a narrativa se desenrola como uma obra sinfônica, onde os elementos já foram colocados e onde se espera apenas o gran finale que começa a se vislumbrar.

 E aqui mais uma vez os diálogos de A. B. Gruthrie Jr, demarcam bem o contraste que se trava entre o bem e o mal, como quando Ryker pergunta a Shane, quando este vai a cidade comprar algumas roupas: “Por onde tem andado?” ao que este responde: “Um lugar ou outro, algum lugar onde nunca estive”.

Também começa a pontuar na história o olhar de admiração que Marian começa a ter pelo forasteiro, um olhar com uma ponta de atração (talvez mais platônica do que física) sobre o sorriso franco, seu passado enigmatico e sua postura de quem conhece a situação que está vivendo. Tudo isso através de olhares furtivos e expressões quase imperceptíveis, mínimos gestos e falas. Aliás, o crítico Peter Stanbrook chamou esta relação de “a mais pura relação humana que o cinema já apresentou”.

Mas ainda faltaria um elemento para dramatizar a ação e este é a chegada ao pequeno vilarejo do bandido contratado para resolver a pendência que se tornou insolúvel e que caminha para onde todos já sabem. Este é o pistoleiro Jack Wilson (Jack Palance, perfeito) contratado para dar cabo da situação agora irreversível. E se apresenta como o Velho Oeste sempre nos mostrou: vestido de preto, o olhar duro e o sorriso irônico e o aparente desdém por tudo que o cerca, inclusive de quem o contratou, servindo apenas ao seu propósito que é o de por fim aos conflitos, pouco ligando para quem possa estar com a razão. Aliás o primeiro encontro entre Wilson e Shane é a calmaria, o estudo antropológico sobre o inimigo e as nuances escondidas sobre quem pode levar a melhor.

A partir daí o filme tem a sua cadência final, e que cadência!!!, onde as sutilezas são deixadas de lado e a natureza selvagem aflora no seu sentido mais visceral  passando a vigorar apenas a lógica e o raciocínio calculista daqueles que sabem que para onde vão não tem volta e que o que menos importa é a ética e o que predomina é a estratégia.

 Após vencer uma briga, e de uma forma desleal,  com o rancheiro Joe que pretendia afrontar Ryker, Shane parte para a cidade onde terá seu derradeiro desfecho. Daqui para frente é cinema puro, cada segundo, cada cena, cada take é imperdível, a pontuação entre música e imagem é antológica, com o pequeno Joey correndo atrás de Shane, como testemunha do que está por vir, que também é seguido por seu cachorro, que aliás, aparecem em inúmeras cenas do filme (em uma cena antes do duelo em que a câmera vai de Shane até Wilson e o cachorro que estava aos pés de um vai até o outro é no mínimo inventiva). E é pelos olhos do menino que o duelo no bar se desenvolve não na forma de uma briga qualquer mas na forma de um balé bem planeado, estruturado e dramático, denso e apocalíptico, etéreo mas bruto, lírico porém macabro, da única forma como a mitologia do velho oeste sempre ensinou, com a força da arma sobre a palavra, da violência sobre a ética e do confronto do bem contra o mal.

 É através do grito de alerta do menino que Shane elimina o último pistoleiro tocaiado,  que no entanto,  lhe acerta um tiro. E aqui vale lembrar o primeiro diálogo entre Shane e o garoto quando este chega ao rancho: “Alô garoto, ficou me espiando pelo caminho um bom pedaço não? Sabe, gosto de gente que observa as coisas em volta. Ficará esperto um dia”. Pois esta esperteza salvou Shane.

Bem, o final é sublime de um lirismo nunca antes explorado dessa forma. Talvez em nenhum outro filme feito até agora tenhamos uma real grandeza e impacto emocional. Montado em seu cavalo Shane se despede do menino, que a esta altura já o idolatra, pedindo-lhe para cuidar bem de seus pais e se tornar uma boa pessoa e ferido cavalga em direção as montanhas, assim como chegou do nada, indo para lugar nenhum, com o menino correndo atrás e lhe dizendo: “ele não teria atirado em você se o tivesse visto, não é”. Shane não responde. “Papai tem coisas para você fazer!’: “Mamãe quer você, eu sei que ela quer”. Na escuridão da noite, rumo as montanhas, o cavaleiro desaparece, assim também como a infância do menino. IMPERDÍVEL!!!!!!

Curiosidades:

- Shane concorreu a 5 oscars (melhor filme, direção, roteiro adaptado, fotografia em cores e ator coadjuvante (Brandon de Wilde e Jack Palance). No entanto levou apenas o de melhor foto a cores (Loyal Griggs).

- O filme custou a Paramount 3 milhões de dólares e teve uma renda muito boa.

- o filme foi rodado em dois meses e meio.

- Em muitas cenas Alan Ladd teve que subir num caixote, pois era muito baixo. Aliás o ator que veio a falecer aos 50 anos em decorrência da depressão e alcolismo não confiava muito em si e foi defendido pelo diretor que dizia que o ator aparentava na tela “uma decência mesmo em papéis violentos como esse”.

- O filme foi extraído da novela escrita por Jack Schaefer.

- O filme foi assistindo 82 vezes pelo crítico Paulo Perdigão (Diário de Notícias, O Globo e Jornal do Brasil) e que inclusive escreveu um livro sobre o mesmo  “O Western Clássico, gênese e estrutura de Shane”.

- O ator mirim Brandon de Wilde, então com 9 anos quando filmou, morreu em um acidente de carro aos 30 anos.

 

VERA CRUZ

 

Assista o trailer aqui!

 

Lançado em 1955 pela United Artists, Vera Cruz, faroeste dirigido pelo mestre Robert Aldricht foi inicialmente detonado pela crítica que o consideraram fraco, sem embasamento histórico, roteiro deficiente e atuações histriônicas, principalmente de Burt Lancaster, um dos produtores do filme.

 

Acontece que mesmo com essa acolhida, ao longo dos anos Vera Cruz se tornou uma das películas mais assistidas e amadas pelos fãs do gênero que narra a aventura de dois mercenários americanos (Burt e Gary Cooper) que contrabandeiam armas para o imperador mexicano Maximiliano. Também escoltam uma condessa até o porto de Vera Cruz, numa carruagem carregada com ouro.

 

Aqui Aldrich mostra todo o seu talento a serviço do gênero, conduzindo com mão cheia todas as cenas de ação, que são muitas e também o elenco, principalmente Gary Cooper, soberbo como sempre e uma atuação exagerada de Burt, além do sempre convincente Ernest Borgnine.

Um dos maiores críticos da época Bosley Crowter, do New York Times , que ditava regras do que era bom ou ruim,  referiu o filme como destestável, “um melodrama barulhento e inconseqüente. O senhor Lancaster interpreta um vilão que deveria ser morto logo no início do filme. Em suma, para ser franco, não há nada que possa redimir este filme”. O interessante que aqui no Brasil alguns críticos seguiram as idéias de Bosley e também minaram a produção.

 

O elenco conta ainda com Denise Darcel, César Romero e Sarita Montiel. A história é de Border Chase, música de Hugo Friedhofer e fotografia de Ernest Laszlo de Aeroporto(1970),  Houdine (1953), Viagem Fantástico e Stalag 17 (1953), entre outros.

 

Enfim, se você quiser uma boa diversão e cultuar um bom filme de ação Vera Cruz é uma boa pedida.