WOODY GUTHRIE E SUA MÁQUINA DE MATAR FASCISTAS, QUE NOS TEMPOS ATUAIS, FAZ MUITA FALTA

 

This Land is Your Land

Woody Guthrie tinha um método infalível de matar fascistas. E bem antes do cantador trovador Bob Dylan fazer sua história no cancioneiro norte-americano, mas bem antes mesmo, um outro sujeito já traçava sua história dentro da chamada música de protesto.

Woodrow Wilson "Woody" Guthrie nasceu em Okemah, no estado de Nova Iorque, em 1912. E depois de passar a infância em sua cidade mudou-se para Nova Iorque como cantor de folk music. E seus temas abrangiam desde as músicas tradicionais, canções infantis mas também canções de protesto que contavam a vida de trabalhadores migrandes da época da grande depressão, dos desempregados e de todos aqueles que viviam a margem da sociedade.

Denominado de "o trovador Dust Bowl" foi associado a grupos comunistas, embora não fosse membro, e odiado por patrões e entidades governamentais por promover o sindicalismo como forma de proteção da classe trabalhadora.

E foi no ano de 1949, durante um tempo em Nova Iorque que gravou aquele que seria o seu álbum de maior impacto: "Dust Bowl Ballads", pela RCA Victor e que se tornou seu primeiro álbum a obter um sucesso comercial, coisa inédita para um simples cantor folk.

Aqui, todas as músicas são autobiograficas, onde conta  também a história de trabalhadores do campo, suas dificuldades econômicas na Califórnia, a fome que permeava as famílias vindas de toda parte do país e as precárias condições de trabalho nas indústrias da região.

No álbum ele usou apenas guitarra e vocais e um estilo cru, quase selvagem de cantar. Como diria o escritor John Steinbeck "sua voz, sua guitarra pendurada como um pneu de ferro em uma borda enferrujada, não há nada de doce com Woody, e não há nada doce sobre as músicas que ele canta. Mas há algo mais importante para aqueles que vão ouvir. Existe a vontade das pessoas de suportar e lutar contra a opressão. Creio que chamamos isso de espírito americano".

O disco fez a cabeça de caras como Pete Seeger, Bob Dylan, Bruce Springsteen, Phil Ochs e Joe Strumer do The Class, claro que isto bem mais tarde. O que muita gente não sabe é que Guthrie foi escritor, poeta e que seus textos são desconhecidos por muita gente. Escreveu inclusive sua própria auto-biografia, "Bound for Glory", publicada no ano de 1943.

Foi durante a época em que serviu à marinha como lavador de pratos, que tentava levantar a moral da tripulação com suas músicas durante as longas viagens. Porém a partir de 45, quando o pessoal descobriu sua associação com o comunismo foi mandado para o exército. Já a partir do final da década de 40, sua saúde começou a debilitar-se. Seu comportamento errático, o alcoolismo e a esquizofrenia o levaram a ter o diagnóstico da doença de Huntington, que era genética, herdada de sua mãe.

No entanto, veio a falecer em 1967, devido as complicações da doença. E já nessa época seu trabalho já havia sido descoberto por uma legião de novos cantores, entre eles um jovem de 19 anos, Bob Dylan, que o visitava no hospital antes de seu falecimento e que diria mais tarde: "as canções por elas mesmo foram realmente além da categoria. Elas tinham a varredura infinida da humanidade nelas'

Discografia:

1940 - Dust Bowl Balladas;

1945 - Woody Guthrie;

1946 - Ballads From The Dust Bowl;

1950 - Songs fo Gronw On;

1959 - Talking Dust Bowl;

1956 - Bound For Glory;

1956 - Songs to Grown on For Mother and Child;

1960 - Ballads of Sacco e Vanzetti;

1962 - Woody Guthrie sings folk Songs;

1963 - Cowboy Songs;

1964 - Hard Travelin;

1964 - Library Of Congress Recording;

1965 - Bed on the Flooer;

1967 - This Land is Your Land.

Sua vida está retratada num filme feito em 1967 pelo diretor Hal Ashby denominado Bound For Glory, com o ator David Carradine. Um dos melhores filmes do errático diretor.

 

'PÉROLA NEGRA' DE LUIZ MELODIA TORNOU O SAMBA MODERNO, POP E COM STATUS

 
 
Foi em 1973 que o carioca do Estácio Luiz Carlos dos Santos lançou seu primeiro disco, "Pérola Negra". E isto foi após as baianas Gal Costa e Maria Bethânia terem gravado, a primeira, Pérola Negra, em 71 e a segunda, Estácio Holy Estácio, em 72.
 
Com direção musical de Péricles Albuquerque o álbum impressionou pelos elementos inovadores alí colocados em gênero como rock, soul, o samba-canção e com sonoridades modernas e arranjos arrojados.
 
Então com 22 anos, Luiz Melodia chegou e ficou. À parte das letrais viscerais, objetivas, diretas, a interpretação foi no mínimo, por assim dizer, instigante. Nas canções alí colocadas temos um retrato fiel de uma juventude ainda transviada mas não desavisada do momentos político. A música urbana não conhecia esta linguagem, este esgar caótico e crítico sobre a malandragem, sobre o cidadão comum, sobre as coisas que aconteciam debaixo do sol de Ipanema e Copacabana.
 
E é claro que chamou a atenção do mundo artístico e do Brasil em geral. Como diz o próprio artista: "eu não tinha a fissura de ser artista. Gostava de tocar e de cantar, mas não pensava em ganhar a vida com música".
 
Foi Waly Salomão, poeta e agitador cultural quem colocou o rapaz na turma da Tropicália e também o jornalista Torquato Neto deu uma mãozinha em sua coluna "Geléia Geral" do jornal Última Hora. E foi com essa turma que Melodia começou a andar e se reunir na casa de Suzana de Moraes, filha de Vinícius, e a partir daí a coisa começou a acontecer.
 
Foi em dezembro de 72, no estúdio da Polygram que o disco começou a tomar forma. Em 73 a coisa aconteceu. Com participação de Rildo Hora na harmônica, Hyldon, então desconhecido na guitarra e Rubão, baixista de peso o álbum decolou pra valer. 
 
 
 
Diz Melodia: "o Perinho fez um trabalho genial nos arranjos. Foi muito bacana como ele entendeu a coisa e passou para o papel, me ouvindo ao violão".
 
Muito das músicas alí mostradas foram inspiradas em uma mulher, Deda, então namorada de Waly Salomão. "Ficamos amigos, tivemos relação muito rápida, depois ela deixou o Waly e nossa relação durou pouco. Mas me inspirou bastante, talvez por ter sido a primeira mulher branca que namorei".
 
A faixa "Pra Aquietar", pra variar, foi censurada, embora Luiz não saiba o motivo. Apesar de algumas delongas com o resultado final em relação a mixagem, "Pérola Negra" foi aquele que abriu um caminho imenso para o cantor, embora posteriormente não tenha se curvado a imposições midiáicas e passou sua carreira pulando de gravadoras e sendo considerado difícil, pois brigou por sua independência poética como touro enfurecido. Melodia não fez concessões a ninguém e isto talvez tenha atrapalhado sua carreira junto ao grande público mas manteve sua integridade como artista como talvez nenhum outro dentro do cenário musical brasileiro.
 
O disco foi incluído na posição de número 32 na Lista dos 100 maiores de Música Brasileira pela Rolling Stone Brasil.
 
Por isso é por outras é que se deve lamentar seu falecimento ocorrido esta semana. Luiz Melodia foi, mas sua obra fica.
 
Faixas:
 
1) Estácio Eu e Você;
2) Vale Quanto Pesa;
3) Estácio Holy Estácio;
4) Pra Aquietar;
5) Abundantemente Morte;
6) Pérola Negra;
7) Magrelinha;
8) Farrapo Humano;
9) Objeto H;
10) Forró de Janeiro
 
 
 
 

OS 50 ANOS DO DISCO MAIS REVOLUCIONÁRIO DA HISTÓRIA DO ROCK, ''SGT. PEPPER'S LONELY HEARTH CLUB BAND''  QUE SAIU DA CABEÇA DE SIR PAUL McCARTNEY

 
Foi em 1967, que "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band foi lançado no Reino unido, mais precisamente numa chuvosa tarde de 26 de maio. Era mais uma bolacha dos rapazes de Liverpool e seus seguidores queriam ouvir aquelas canções de sempre como dos 7 álbuns anteriores, que falavam de carros, garotas, problemas comuns de casais juvenis, amores incipientes, aquelas coisas bobas e tolas que embalavam a vida da garotada inglesa.
 
Só que o que se viu não foi bem isso. Haa.. não foi..... O que tinha ali era..... melhor dizendo, não era nada do que se esperava ouvir, não..... não era não..... No início um misto de estranheza, estupefação, atordoamento e o que mais não se esperava. Bem, a verdade é que tivemos aqui o primeiro álbum conceitual da banda inglesa, numa abordagem experimental e de uma qualidade até então desconhecidos. Não que John, Paul, George e Ringo não fossem bons. Não é isso. É que até ali não se sabia o quanto eram.
 
Como já a bastante tempo não faziam shows ao vivo ("não aturo mais aquela histeria e a péssima qualidade dos equipamentos", diria John) o quarteto soltou as idéias no estúdio Abbey Road Two. Agora, para que o álbum que a Time considerou "uma evolução histórica no progresso da música" acontecesse era que captando as idéias e as tornando realidade estava aquele conhecido como o quinto Beatle: George Martin.
 
Velho conhecido dos estúdios e da classe erudita, foi ele quem formatou a sonoridade revolucionária do disco, onde se incluiam influências de estilos de música clássica, indiana, circense e outras resgatadas do "vaudeville". Martin requisitou uma orquestra de 40 integrantes para o estúdio e graças ao talentoso engenheiro de som Geoff Emerick, deram uma burilada sonora que o tornou progressivo, marco zero como um dos primeiros "Art Rock" da história. Até ali rock era diversão, balanço, álcool, maconha, sexo. E isso não era arte. Isto era Rock-and-roll.
 
E a capa. Bom,  se você procurar vai achar figuras como Bob Dylan, O Gordo e o Magro, Marx, Churchill, Marlon Brando, Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Tarzan, Edgar Allan Poe, gurus, pensadores, filósofos. Uma mistura de política, arte, ciência e o que mais se imaginasse. Era a essência do pensamento universal, a história do conhecimento humano. E misturado com diversão. A tal da "art pop" como falei anteriormente. 
 
E quem botou tudo isso no papel foi o casal Peter Blake e Jann Haworth, que conceberam a capa. A direção de arte foi de Robert Fraser e fotografia de Michel Cooper. Aliás, Peter e Jann conquistaram um Grammy em 68 na categoria "Melhor Capa de Álbum".
 
A idéia inicial do disco foi de Paul, que numa viagem de férias inaginou uma banda militar da era eduardiana tocando feito grupos contemporâneos como Big Brother and the Holdin Company ou Quicksilver Messengter Service, estes de San Francisco. E sugeriu que o quarteto tocasse como esse grupo ficcional, como um alter ego, com total liberdade de experimentação. Mais da metade do disco saiu da cabeça de Paul. E com todo o tempo do mundo as coisas foram acontecendo. Primeiro gravaram "Strawberry Fields Forever", depois "When I'm Sisty Four", "Penny Lane" (que ficou de fora). E o que o músico pedia Martin acedia. Flautas, teclados Mellotrons, quarteto de cordas, metais, etc. etc.
 
Quando foi lançado o álbum começou em primeiro lugar no Reino Unido e permaneceu alí por 22 semanas. Em julho foi lançado no mundo todo de forma simultanea. Com 5,1 milhão de cópias certificadas, tornou-se o 3º álbum mais vendido da história do Reino Unido. Nos Estados Unidos vendeu 11 milhões e no resto do mundo em torno de 30 milhões. E não foi por menos que em 2003 "Sgt. Pepper..." figurou entre os 50 trabalhos escolhidos pela Livraria do Congresso dos Estados Unidos para ser adicionado ao National Recordin Registry para o trabalho enquanto "cultural, histórico ou estéticamente significante". E no mesmo ano, a Rolling Stone o colocou em primeiro lugar na sua lista de quinhentos melhores álbuns de sempre, descrevendo-o como "o auge dos oito anos de discos dos Beatles".
 
 
Tópicos:
 
Lado A:
 
1) Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band;
2) With a Little Help From My Friends;
3) Lucy in the Sky With Diamonds;
4) Getting Better;
5) Fixing a Hole;
6) She's Leaving Home;
7) Being for the Benefit of Mrs. Kite;
 
Lado B:
 
1) Within You Without You;
2) When I'm Sixty Four;
3) Lovely Rita;
4) Good Morning Good Morning.
5) Sgt. Pepper.....reprise);
6) A Day in the Life.
 

'ALUCINAÇÃO' DE BELCHIOR COMPLETA 40 ANOS E CONTINUA COMO SEMPRE FOI: DIALÉTICO, VISCERAL E PROFÉTICO

 
 
"Alucinação" é o legado que Belchior nos deixou, bem antes de tornar-se, ele também, um alucinado.
 
Foi em 1976 que Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (ufa) lançou aquele que seria o disco definitivo e emblemático de uma carreira que teve um início brilhante mas não um fim.
 
Segundo disco deste cearence de Sobral, poeta, cantador de feira e ex-seminarista foi um petardo tão forte quanto forte foi a contundência de suas letras, ou poesias musicadas, tanto faz, que o Brasil de aquela época de ditadura não estava acostumado a ouvir. Eivado de rebeldia, incitação, alegorico por alguns momentos, realista em outros, o álbum (sim, era assim que se chamava) de letras longas e declamadas foi o estopim de um movimento de então de cantores cearentes entre eles Fagner, Ednardo, que traziam em sua bagagem as coisas do sertao para uma metropole embotada e emesmada em repetições cancioneiras.
 
E a cidade grande acolheu o "rapaz latino americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior" que entre essas e outras cantava e contava "não se preocupe meu amigo/com os horrores que eu lhe digo/isso é somente uma cançao/a vida é realmente é diferente/quer dizer!/a vida é muito pior".
 
Sua visão poética nunca mais saiu da cabeça de uma geração então atolada num estado de excessão e sem perspectivas políticas. Foi um mote messiânico e profetico como talvez nunca tiveram ouvido antes: "Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve/correta, branca, muito limpa muito leve/sons, palavras são navalhas/e eu não posso cantar como convém/sem querer ferir ninguem".
 
Suas músicas mostraram a alienação cultural em que o país estava metido. Em realidade a indústria não estava preparada para um artista com tanto engajamento estético-político que cantava coisas do tipo "você não sente e nem vê/mas eu não posso deixar de dizer meu amigo/que uma nova mudança em breve vai acontecer/o que algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo/e precisamos todos rejuvenescer".
 
 
 
Isso não se enquadrava apenas num perfil de um cantor/compositor. Não. E muito mais que isso. E preciso saber que sua obra tem erudiçao, dialética. Sua veia visionária lança um olhar a tudo e a todos. Seu habitat é aquilo que vê. Desde sua juventude, de seus pais e do que está por vir. Seu conteúdo poético e corrosivo foi tao ou mais ácido do que aquele perpetrado pela turma da Tropicália. Se aquele foi um movimento de abertura de portas, de novas sonoridades, este foi o de percepções, de mentes, metafísico e poético. Sagaz e contumaz. Profético: "nunca mais você saiu a rua em grupo reunido/o dedo em V, cabelo ao vento/que é do cartaz?/no presente a mente o corpo é diferente/e o passado é uma roupa que não nos serve mais".
 
Suas citaçoes a Edgar allan Poe ("poeta louco americano"), aos hippies ("dedo em V, cabelo ao vento") não são apenas licenciosidades poeticas. Ah não. É um posicionamento político, abrangente e visceral. E denúncia. Sua palavra é uma arma política embora travestida num romantismo que a critica à epoca chamava de brega: "Quero desejar antes do fim/pra mim e os meus amigos/muito amor e tudo mais".
 
Belchior foi específico quando queria, pontual como sois acontecer a quem tem bagagem cultural: "se você vier me perguntar por onde andei/no tempo em que você sonhava/de olhos abertos lhe dire/amigo eu me desesperava". Ou então quando dizia "o que transforma o velho no novo/bendito fruto do povo será/é a única forma que pode ser norma".
 
Suas canções, sua atitude, sua maturidade foi, com certeza, àquela altura do campeonato (década de 70) um canto forte, um olhar aguçado que oxigenou o marasmo de uma MPB perdida entre seus fins e meios, como cantava ele em "Como Nossos Pais": "minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos/ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".
 
"Alucinação" é um legado, um tratado semântico, uma carta de intenções. E como alguém lhe bater nas costa e lhe perguntar? "Hei amigo, o que você está fazendo da sua vida? Acorda irmão, vai a luta". Atual, atualíssimo.
 
Se  Antônio Carlos Gomes foi arredio, fugidio, sem paradeiro, desconectado, talvez tenha sido um repouso passageiro, ou um mergulho em sua alma para poder abarcar uma nova consciencia ou talvez reflexão sobre o que disse em "Alucinação", que não foi pouco, há nao foi. Deixem o cara em paz. Respeitem seu silêncio. Só os que viajam dentro de si conseguem ver o que os simples mortais nao percebem.
 
 
Tópicos:
  • Foi lançado em 1976 pela Polygram (atual Universal Music);
  • Produção: Mazzola;
  • Gravado em 16 canais;
  • Arte: Aldo Luiz;
  • Músicos: Belchior (violão e voz), José Roberto Bertrami (piano, orgão, sintetizador), Paulo César Barros (baixo), Antenor Gandra (guitarra, violão e viola caipira), Pedrinho (bateria), Ariovaldo Contensini (percussão) e mais Lui, Orlando Silveira e o coro de Evinha, Maritza e Regina.
  • Todas as músicas são de sua autoria.
  • Músicas: lado 1: Apenas um Rapaz Latino Americano; Velha Roupa Colorida; Como Nossos Pais; Sujeito de Sorte; Como o Diabo Gosta.
  • Lado 2: Alucinação, Não Leve Flores, A Palo Seco, Fotografia 3 x 4; Antes do Fim.
 
 
 

SANTANA I, UMA NOVA SONORIDADE GANHA O MUNDO ROQUEIRO

 
Foi em fevereiro de 69 que Bil Graham, empresário, produtor musical, agente e dono da famosa casa Filmore West de San Francisco mandou os rapazes da banda Santana para Los Angeles para gravarem seu primeiro álbum. Tudo bem, lá se foram eles não sem antes enfrentarem alguns contratempos. Acontece que alguns dias antes seu percussionista, Stan Marcus, cafetão nas horas vagas, foi preso pelo assassinato a facadas de um marido ciumento. Barra pesada.
 
A idéia foi trazer de volta Mike Carabello, congueiro e um dos fundadores da banda, que andava meio perdidão. Então, com Greg Rollie nos teclados, David Brown, no baixo, Doc Livingstone na bateria, Carlos Santana na guitarra e José Chepito Áreas nos timpanos e o recém reintegrado Carabello, se mandaram para os estúdios da Columbia, com quem recém haviam fechado contrato, para Los Angeles.
 
Acontece que a coisa não rolou muito bem. Mesmo hospedados em uma mansão em Hollywood, a algumas quadras do estúdio, o som não rolou como deveria, como diz Carlos Santana em sua biografia "O Tom Universal - Revelando Minha História", livro com mais de 600 páginas lançado em 2014:
 
- Nosso som não resultava de nenhum daqueles lugares. Alguns dos instrumentos soavam muito desencorpados e diferentes. Não conseguíamos encontrar a energia presente em todos os nossos shows. E além disso a "Santana" era diferente dos outros grupos contratados pela CBS, dona da Columbia. Éramos "vira-latas".
 
A verdade é que o pessoal não se deu bem com o produtor David Rubinson, técnico da gravadora na Costa Oeste. Retornando a San Francisco, o pessoal resolveu dar um tempo nas gravações e se mandou pra estrada.
 
De volta e com um novo produtor, Brent Dangerfield e com a colaboração de Alberto Gianquinto na parte musical a banda se mandou para San Mateo, onde ficava o estúdio Pacific Recording, novinho em folha e que tinha sido usado pela Greatful Dead. Mas aí mais um problemão. Acontece que o homem das baquetas, Doc, andava rateando muito e o pessoal resolveu dispensá-lo e contratar Mike Shrieve, um gurizão que tinha muito conhecimento no rock e no jazz. 
 
Sem Stan Marcus, preso por assassinato e Doc Livingstone dispensado por incompetência as gravações daquele que seria o primeiro álbum começaram em fevereiro e em apenas 5 dias ficou pronto. Levou o nome de "Santana" e foi lançado em agosto do mesmo ano, depois da apoteótica participação em Woodstock onde 500 mil pessoas que pra lá se mandaram conheceram a potencialidade dos rapazes de San Francisco.
 
O álbum trouxe de novidade a sonoridade latina que Carlos, mexicano de Autlan mas criado em Tijuana, ouviu quando tocava violino em festas, casamentos, esquinas e mais tarde guitarra nos inferninhos da cidade fronteiriça. E aí incluia salsas, rítmos caribenhos, rumbia, cumbia, música cubana e tudo o mais que podia. Mas também já de olho nos caras de blues, que ouvia quando algum amigo conseguia um disco.
 
O som cru, primal, com a sessão rítmica de Shrieve, Chepito e Carabello ponteando todas as músicas o álbum imediatamente alcançou os primeiros lugares nas vendagens e por lá ficou por bastante tempo. O mundo começava a conhecer os "vira-latas" de San Francisco, então em plena efervescência cultural hippie e protestos contra o Vietnam. E a grana começou a entrar solta como disse o guitarrista:
 
- Recebi o primeiro cheque e tirando a parte de empresários e produtores peguei o que que sobrou e comprei direto uma casa de dois andares para minha família. Não sobrou nem pra trocar a guitarra Gibson SG vermelha que eu tinha e que me dava tanta dor de cabeça com os problemas de desafinação.
 
A partir desse álbum e dos seguintes "Abraxas" de 70 e "Santana III", de 71, a formação começou a mudar devido a problemas de drogas e falta de comprometimento. Já a partir do próximo disco "Caravanserai", de 73 e com nova formação e som começou a ficar mais elaborado e apontou novos rumos para a banda. Mas aí já é outra história. Aliás, com essa formação eles tocaram pela primeira vez em Porto Alegre, no Ginásio David Gusmão, do Grêmio. Quem esteve lá como eu, jamais vai esquecer a sonoridade e a a "viagem" que os rapazes de San Francisco mostraram.
 
 
Stan Marcus, de sombrero e em baixo Doc Livingstone:
 
Tópicos:
 
  • Produção: Brent Dangerfiel e Santana;
  • Arranjos: Alberto Gianquinto;
  • Engenheiro de som: Bob "Deputy Dog" Breaut e Eric Prestidge;
  • Gravação e Mixagem: Pacific Recording, San Mateo, Calivornia;
  • Direção: Stan Marcum;
  • Arte: Lee Conkin. Fotos Jim Marshall
Lado 1:
 
1) Waiting (Santana Band);
2) Evil Ways (J. Zack);
3) Shades of Time (Santana Band);
4) Savor (Santana Band);
5) Jingo (M. Olatunji).
 
Lado 2:
 
1) Persuasion (Santana Band);
2) Treat (Santana Band);
3) You Just Don't Care (Santana Band);
4) Soul Sacrifice (Santana Band).
 
  • Ainda segundo o livro "O Tom Universal", Carlos Santana disse que o petardo Soul Sacrifice foi de uma idéia de Stan Marcus, que um dia chegou e começou a mostrar para os rapazes todas as partes da música. "Sempre que eu posso eu relato para as pessoas, pois essa foi uma das contribuições do nosso parceiro inicial".

"Alucinação" de Belchior faz 40 anos e continua como sempre foi: dialético, visceral, e profético.

 
"Alucinação" é o legado que Belchior nos deixou, bem antes de tornar-se, ele também, um alucinado.
 
Foi em 1976 que Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (ufa) lançou aquele que seria o disco definitivo e emblemático de uma carreira que teve um início brilhante mas não um fim.
 
Segundo disco deste cearence de Sobral, poeta, cantador de feira e ex-seminarista foi um petardo tão forte quanto forte foi a contundência de suas letras, ou poesias musicadas, tanto faz, que o Brasil de aquela época de ditadura não estava acostumado a ouvir. Eivado de rebeldia, incitação, alegorico por alguns momentos, realista em outros, o álbum (sim, era assim que se chamava) de letras longas e declamadas foi o estopim de um movimento de então de cantores cearentes entre eles Fagner, Ednardo, que traziam em sua bagagem as coisas do sertao para uma metropole embotada e emesmada em repetições cancioneiras.
 
E a cidade grande acolheu o "rapaz latino americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior" que entre essas e outras cantava e contava "não se preocupe meu amigo/com os horrores que eu lhe digo/isso é somente uma cançao/a vida é realmente é diferente/quer dizer!/a vida é muito pior".
 
Sua visão poética nunca mais saiu da cabeça de uma geração então atolada num estado de excessão e sem perspectivas políticas. Foi um mote messiânico e profetico como talvez nunca tiveram ouvido antes: "Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve/correta, branca, muito limpa muito leve/sons, palavras são navalhas/e eu não posso cantar como convém/sem querer ferir ninguem".
 
Suas músicas mostraram a alienação cultural em que o país estava metido. Em realidade a indústria não estava preparada para um artista com tanto engajamento estético-político que cantava coisas do tipo "você não sente e nem vê/mas eu não posso deixar de dizer meu amigo/que uma nova mudança em breve vai acontecer/o que algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo/e precisamos todos rejuvenescer".
 
 
 
Isso não se enquadrava apenas num perfil de um cantor/compositor. Não. E muito mais que isso. E preciso saber que sua obra tem erudiçao, dialética. Sua veia visionária lança um olhar a tudo e a todos. Seu habitat é aquilo que vê. Desde sua juventude, de seus pais e do que está por vir. Seu conteúdo poético e corrosivo foi tao ou mais ácido do que aquele perpetrado pela turma da Tropicália. Se aquele foi um movimento de abertura de portas, de novas sonoridades, este foi o de percepções, de mentes, metafísico e poético. Sagaz e contumaz. Profético: "nunca mais você saiu a rua em grupo reunido/o dedo em V, cabelo ao vento/que é do cartaz?/no presente a mente o corpo é diferente/e o passado é uma roupa que não nos serve mais".
 
Suas citaçoes a Edgar allan Poe ("poeta louco americano"), aos hippies ("dedo em V, cabelo ao vento") não são apenas licenciosidades poeticas. Ah não. É um posicionamento político, abrangente e visceral. E denúncia. Sua palavra é uma arma política embora travestida num romantismo que a critica à epoca chamava de brega: "Quero desejar antes do fim/pra mim e os meus amigos/muito amor e tudo mais".
 
Belchior foi específico quando queria, pontual como sois acontecer a quem tem bagagem cultural: "se você vier me perguntar por onde andei/no tempo em que você sonhava/de olhos abertos lhe dire/amigo eu me desesperava". Ou então quando dizia "o que transforma o velho no novo/bendito fruto do povo será/é a única forma que pode ser norma".
 
Suas canções, sua atitude, sua maturidade foi, com certeza, àquela altura do campeonato (década de 70) um canto forte, um olhar aguçado que oxigenou o marasmo de uma MPB perdida entre seus fins e meios, como cantava ele em "Como Nossos Pais": "minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos/ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".
 
"Alucinação" é um legado, um tratado semantico, uma carta de intenções. E como alguém lhe bater nas costa e lhe perguntar? "Hei amigo, o que você está fazendo da sua vida? Acorda irmão, vai a luta". Atual, atualíssimo.
 
Se hoje Belchior Antônio Carlos Gomes é arredio, fugidio, sem paradeiro, desconectado, talvez seja um repouso passageiro, ou um mergulho em sua alma para poder abarcar uma nova consciencia ou talvez reflexão sobre o que disse em "Alucinação", que não foi pouco, há nao foi. Deixem o cara em paz. Respeitem seu silêncio. Só os que viajam dentro de si conseguem ver o que os simples mortais nao percebem.
 
 
Tópicos:
  • Foi lançado em 1976 pela Polygram (atual Universal Music);
  • Produção: Mazzola;
  • Gravado em 16 canais;
  • Arte: Aldo Luiz;
  • Músicos: Belchior (violão e voz), José Roberto Bertrami (piano, orgão, sintetizador), Paulo César Barros (baixo), Antenor Gandra (guitarra, violão e viola caipira), Pedrinho (bateria), Ariovaldo Contensini (percussão) e mais Lui, Orlando Silveira e o coro de Evinha, Maritza e Regina.
  • Todas as músicas são de sua autoria.
  • Músicas: lado 1: Apenas um Rapaz Latino Americano; Velha Roupa Colorida; Como Nossos Pais; Sujeito de Sorte; Como o Diabo Gosta.
  • Lado 2: Alucinação, Não Leve Flores, A Palo Seco, Fotografia 3 x 4; Antes do Fim.
 
 
 
 
 
 

4 cabeças pensantes, muita erva, um sítio em Jacarepaguá e temos "Acabou Chorare"

 
 
É o que os Novos Baianos nos presentearam lá no longinquo ano de 1972. "Acabou Chorare" foi o veio da mistura de rock, forró, samba e outros. É como misturar Jimi Hendrix com Jackson do Pandeiro ou João Gilberto com Dorival Caymmi.
 
Foi na baiana Salvador que Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira e Baby Consuelo se conheceram. As 4 cabeças pensantes.
 
Depois daquela ralação inicial toda em festivais, bares shows o grupo, então acrescido de Pepeu Gomes começou a mostrar coisas novas e baratos afins como no primeiro disco chamado "É Ferro na Boneca".
 
Galvão, o principal letrista do grupo não poupava ninguém com sua poesia lisérgica: "Não, não é uma estrada/é uma viagem/não, não viva tanto a morte/não tem sul nem norte/nem passagem'.
 
Não devemos esquecer que estamos nos anos de chumbo da ditadura militar, com a censura podando quem mal se comportava mas deixando de lado quem comia pelas beiradas. O caso aqui dos baianos.
 
Já num sítio em Jacarepaguá, no Rio, acrescidos de amigos, parentes e músicos afins, até porque o pessoal curtia um futebol pela manhã, viraram hippies sem querer mas querendo, sabe. Era uma comunidade. "A gente recebia da gravadora e colocava a grana numa sacola pendurada atrás da porta. Quem precisasse ia lá e pegava", diz Moreira.
 
Mas a faísca acendeu mesmo quando num belo não tão belo dia assim João Gilberto,  que conhecia Galvão, resolveu visitar a rapaziada. E lá chegou o homem, de terno e gravata, e foi recebido por aquele bando de cabeludo exalando béqui, até porque como dizia Galvão: "de manhã a gente mandava o futebol, e a tarde, maconha pra poder tocar a tarde toda até madrugada".
 
 
 
O que João foi lá fazer é que redefiniu o rumo do grupo. Disse penas que deveriam colocar mais samba no angu, colocar Assis Valente e outros sambistas. É João quem diz: "ia passear com minha mulher e filha e aproveitava a viagem para ouvir os malucões tocando, compondo, inventando."
 
E os encontros se sucederam. Não dá pra negar que "Acabou...." não teve influência do pai da bossa-nova. E a expressão foi dita por Bebel, filha de João quando o pai acudiu a pequena que havia se machucado e que respondeu com a expressão: "Não, acabou chorare".
 
E a rotina seguia no Sítio do Vovô e foi alí que todas as músicas foram gestadas. Segundo eles o disco demorou dois anos até a finalização. Diz Moreira: "a coisa ia acontecendo dentro daquele caos que a gente vivia. A gente não fechava a porta do quarto para compor. Era alí no meio de todo mundo, na alegria. A gente achava que isso ia influir na nossa música. E influiu. Para nós,  a vida era ousar. Quando fomos gravar tudo já estava debaixo do dedo de tão ensaiado".
 
E o mais inusitado é que os caras gravaram lá no sítio mesmo. Paulo César Salomão que era técnico de som e morava onde antes era o galinheiro e o chuveiro coletivo virava madrugada estudando eletrônica e sem recursos para equipamentos, principalmente para a guitarra. Ia inventando e melhorando como podia. Usou capacitador removido de uma velha TV. E foi alí mesmo no galinheiro que foi montado o estúdio. Amplificadores em galhos de árvores, microfones de segunda linha. E após as gravações tomava banho coletivo. Como diria Paulinho: "não era todo mundo nu, libidinagem. Era sexo, drogas e rock'n'roll, mas tudo em casa". E Moreira acrescenta: "podia faltar dinheiro pra comida, mas pra maconha e equipamentos sempre tinha".
 
"Acabou Chorare" foi o novo, o divisor, o que balizou o antes e depois. Inscreve-se como uma obra que colocou o moderno na música popular ou então o contrário, como queiram. Apontou caminhos que foram seguidos por muito tempo.
 
Como escreveu a crítica Ana Maria Bahiana, "Acabou..." fez mais pela saúde da música brasileira e do astral do país do que qualquer remédio político". E tenho dito, ou melhor, tenha dito ela.
 
 
 
Tópicos:
 
Lado um
 
1) Brasil Pandeiro (Assis Valente)
2) Preta Pretinha (Luiz Galvão/Moraes Moreira)
3) Tinindo Trincando (Galvão/Moreira)
4) Swing de Campo Grande (Paulinho/Galvão/Moreira)
5) Acabou Chorare (Galvão/Moreira)
 
Lado dois
 
1) Mistério do Planeta (Galvão/Moreira)
2) A Menina Dança (Galvão/Moreira)
3) Besta é Tu (Galvão/Pepeu/Moreira)
4) Um Bilhete Pro Didi (Jorginho Gomes)
5) Preta Pretinha - reprise
 
Músicos:
 
  • Jorginho Gomes (bateria)
  • Moraes Moreira (voz, violão, arranjos)
  • Baby Consuelo (vocal, percussão)
  • Dadi Carvalho (baixo)
  • Paulinho Boca de Cantor (voz, percussão)
  • Pepeu Gomes (guitarra, violão, arranjos).

"GETZ/GILBERTO'', O DISCO QUE COLOCOU A MÚSICA BRASILEIRA NO CENTRO DO MUNDO

 
Numa fria manhã do dia 18 de março de 1963,  uma trupe de brasileiros assoprando as mãos geladas pelo frio desceram de um táxi e bateram a porta do estúdio localizado não muito distante de Manhatan em Nova York. Mal sabiam eles que estariam fazendo história dentro da música mundial, provocando um fenômeno surreal dentro da discografia de jazz. Sim, porque até alí, fora o Rio de Janeiro, pouca gente ouvira falar da Bossa Nova. Muito menos uma cidade cosmopolita como N.Y. Sim, ouve o famoso concerto do Carneggie Hall um ano antes, mas foi um tremendo fracasso.
 
O disco foi produzido por Creed Taylor da Verve Records. E como conta Ruy castro, as sessões não foram lá muito harmoniosas, quer dizer, pessoalmente, já que Getz e Gilberto discordavam frequentemente sobre a escolha do melhor take entre as gravações e cabia ao produtor fazer o desempate.
 
Isto no entanto nem de perto ofuscou a beleza do inusitado encontro do conhecido saxofonista americano e a trupe de brasileiros com sua "new bossa", então completamente desconhecida. Acontece que como por um acaso dos deuses, ou dos elementos quanticos ou que seja, é na discordancia, no confronto de idéias que as diferenças tomam um tono desconhecido e somadas as esferas místicas ou então menos aleatórias produzem elevados resultados artísticos.
 
E foi o caso aqui descrito. Quem poderia imaginar que Stan Getz, nome conhecido do jazz americano pudesse tirar tanta beleza rítmica e fraseados altamente inspirados em composições com as quais não estava acostumado. Como poderemos explicar que Antonio Carlos Jobim pudesse extrair um elevado grau sonoro com um comedimento pianístico jamais visto em outras gravações. Seu piano é o supra-sumo do mínimo, mas cada nota possui uma sonoridade tão elevada dentro da harmonia que comparados com mestres do instrumento como Bill Evans, Oscar Peterson, Art tatum ou mesmo Keith Jarrett o brasileiro pareceria um principiante.
 
O projeto ficou engavetado por um ano já que Creed Taylor tinha medo de que pudesse ser um fracasso comercial. Somente em março de 64 ele foi lançado. Embora a B.N. tivesse surgido no Brasil em 1958 com a canção "Chega de Saudade" (A. C. Jobim/Vinícius de Moraes) cantada por Elizeth Cardoso em seu disco 'Canção do Amor Demais' e arranjada por Tom, foi o violão de João Gilberto que gerou um estranhamento e surpresa total pelos críticos que à época ficam completamente atônitos pelas divisões rítmicas e harmônicas inusitadas para a época. Poucos meses depois da gravação de Elizeth, João fez a sua, a seu gosto e aí....bom.... aí é história.
 
Ainda sobre as sessões de Nova York, Ruy Castro conta algumas pérolas que mostram o clima que rolou. Gilberto, impaciente com o fraseado rítmico de Stan Getz e sem dominar o inglês disse a Tom: "Diga a esse gringo que ele é burro", ao que Jobim traduziu: "Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você".
 
Foi o baixista brasileiro Tião Neto que à época mandou notícias dos brasileiros em solo americano: "estamos gravando dia e noite. Eu, por exemplo, gravei para a Verve um LP de B.N. em companhia de Stan Getz, João Gilberto, Tom Jobim e Milton Banana. Embora a minha opinião seja suspeita acho que vai ser o melhor da Bossa Nova gravado até aqui". O disco foi gravado em apenas dois dias.
 
Por sua vez Bev Getz, filha do saxofonista conta que seu pai sempre se referiu com carinho ao fato de ter cruzado caminho com os brasileiros: "ele adorou ter trabalhado com Tom e João. Sentiu que havia uma compreensão profunda e instantânea entre eles". Aliás, foi graças a este disco e outros que o saxofonista lançou depois, também de B.N. que Getz ganhou fortuna e comprou imóveis de alto padrão, isto só pra se ter uma idéia do que o gênero abriu de mercado para muitos músicos, e Getz foi o primeiro a perceber o potencial financeiro disso.
 
Quem caiu de paraquedas no projeto foi Astrud Gilberto, que nunca antes havia cantado profissionalmente. Sua interpretação em inglês para "Garota de Ipanema" deu uma dimensão interpretativa à música que a tornou um sucesso imediato não só em solo americano mas também em muitos outros lugares, principalmente França, Inglaterra e Japão. O presente de João para sua mulher rendeu a ela, além de uma enorme popularidade, um Grammy de melhor gravação e uma indicação, ao lado de Tom, como revelação, que acabou perdendo para os Beatles.
 
"Getz/Gilberto", com um sub-título 'featuring Antonio Carlos Jobim' é o mais aclamado disco de música brasileira no exterior. Foi aquele que elevou a Bossa Nova a alturas nunca imaginadas, consolidando de vez o som brasileiro ao mundo. Chegou a ficar por 96 semanas na lista da Bilboard como 2º lugar entre os mais vendidos. Jamais um disco de 'jazz' (que é como os americanos o classificaram) havia tido um feito como esse. Perdeu apenas para "A Hard Days Nights" dos Beatles. Também consagrou Tom Jobim como um dos maiores compositores do século XX, o que não é pouca coisa. 
 
 
Faixas:
 
Lado 1
 

1) The Girl From Ipanema (Tom e Vinícius/versão de Norman Gimbel);

2) Doralice (Dorival Caymmi/Antonio Almeida);

3) Pra Machucar Meu Coração (Ary Barroso);

4) Desafinado (Tom/Newton Mendonça);

Lado 2

1) Corcovado (Tom/versão Gene Lees);

2) Só Danço Samba (Tom e Vinícius);

3) O Grande Amor (Tom/Vinícius);

4) Vivo Sonhando (Tom Jobim).

Músicos:

  • João Gilberto - violão e voz;
  • Tom Jobim - piano;
  • Stan Getz - sax tenor;
  • Tião Neto - baixo;
  • Milton Banana - bateria;
  • Astrud Gilberto - voz em "The Girl From Ipanema" e "Corcovado".
  • Engenheiro de Som - Val Valentin;
  • Engenheiro de Gravação - Phil Ramone;
  • Produção: Creed Taylor;
  • Capa - Olga Albizu.

 

 

UM CARA GRANDÃO COM UMA GUITARRA NA MÃO É O INÍCIO DE TUDO....

 
No dia 12 de Abril de 1954 um jovem alto e sorridente chamado Willian John Clifton, nascido no Michigan, então com 29 anos, entra no estúdio da Deca Records para gravar uma canção. Mal sabia ele que ela se tornaria lendária e considerada como o marco de uma nova era que se perpetuaria por muitas décadas: o rock and roll.
 
A canção se chamava "Rock Around the Clock",  escrita por Max Feedman e James Myers. Claro que não foi a primeira gravação desse estão emergente gênero, já que o próprio Bill havia gravada ainda um ano anos "Crazy Man, Crazy" e em 54 Big Joe Turner "Shake, Rattle and Roll". No entanto "Rock Around...." foi aquela que chamou atenção principalmente por seu rítmo contagiante, uma pulsação acelerada e uma letra um tanto quanto, digamos assim, juvenil: "Uma, duas, três, quatro horas de rock; cinco, seis,s sete, oito horas de rock, nove, dez, onze, doze horas de rock; nós vamos dançar rock pelas horas hoje a noite..." O lado B do single tinha "Thirteen Women (and only Man in Town)'".
 
Foi a primeira música de rock a entrar na parada Cashbox dos EUA. Embora não tenha vendido tanto assim foi no ano seguinte que ela realmente se tornou popular quando usada como tema de abertura do filme "Blackboard Jungle" (Sementes de Violência), dirigido por Richard Brooks sobre um professor de escola secundária e seu relacionamento conturbado com alunos rebeldes.
 
Aí sim, aconteceu de uma forma surpreendente. Tornou-se um hino da juventude rebelde dos anos 50 e que catapultou o rock a alturas inimagináveis. Chegou ao topo da Pop Chartes da Bilboard, e também no topo da Pop Singles Chartes da Cashbox. Vazou também para o Reino Unido chegando na 17ª colocação na UK Singles Chart. Sua marca inicial de vendas foi de 1,4 milhões de cópias. Uma barbaridade para a época.
 
Bill não estava sozinho nessa empreitada e tinha concorrentes poderosíssimos. Primeiro aquele que é considerado o pai de todos, Chuck Berry, um negro alto do Missoury que foi quem realmente criou a batida do dedo mindinho nos acordes e que marcou definitivamente o estilo.
 
Outra figurassa foi Little Richards, da Geórgia. Richard Wayne era um exímio pianista e ao mesmo tempo pastor evangélico. Alternou por muitos anos esses dois caminhos. Quando estava queimando no fogo dos infernos que a vida roqueira lhe proporcionava largava tudo e ia evangelizar para se redimir e purificar.. Quando o dinheiro acabava voltava ao inferno, ou seja, ao rock. E asssim, sucessivamente.
 
Tinha também o insano, irrequieto e branquela chamado Jerry Lee Lewis, da Lousiana. Também pianista tresloucado e considerado um dos pioneiros do gênero. Escandalizou o meio artístico quando se casou com uma prima de 13 anos de idade, fato que quase acabou com sua carreira.
 
E não podemos esquecer um jovem motorista de caminhão chamado Elvis Aaron Presley, do Tenesse, posteriormente denominado "Elvis the Pelvis" que levou quase a loucura adolescentes púberes com sua dança frenética e sexual, que fez com que as TVs se limitassem a mostrá-lo apenas da cintura para cima.
 
Claro que existiram muitos outros como Fats Domino, Roy Orbinson, Buddy Holly, morto prematuramente e que estavam nessa leva do gênero. Tem algumas pessoas que citam Rosetta Tharpe, do Arkansas. Mas não procede. Rosetta era uma cantora, compositora e guitarrista da década de 30 e 40 mas a sua praia era o gospel. Usou muito de ritmos alegres e contagiantes em suas interpretações mas daí a colocá-la como roqueira seria atropelar os acontecimentos.
 
Agora, para a história e que os livros possam contar de uma maneira sucinta "Rock Around the Clock" foi e continuará sendo o marco zero, aquela que acendeu a centelha que incendiou a música popular do mundo inteiro trazendo fama, fortuna, excessos e tudo o mais que o rock produziu e continuará produzindo infinitamente e que foi condensado num pequeno verbete do Ramones: "hey ho, let's go". E vamo nessa....
 
 
 
tópicos:
 
  • A Gravadora de Bill Haley e seus cometas era a Decca Records;
  • O produtor do single foi Milt Gables, que era também produtor de Billie Holiday;
  • Foi feita em dois takes. Um que realçou a voz e o outro os instrumentos e que foram juntados;
  • Bill a gravou posteriormente em mais de 30 versões diferentes;
  • No Brasil o presidente eleito Jânio Quadros tentou proibir a exibição de Sementes da Violência por causa da música. Um juiz classificou  a película imprópria para menores de 18 anos por causa de seu "rítmo excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação de trejeitos exageradamente imorais". Uauu, que peça...;
  • A tradução é a seguinte:
         "Um, dois, três, quatro horas de rock
          Cinco, seis, sete, oito horas de rock;
          Nove, dez, onze, doze horas de rock;
          Nós vamos dançar rock por horas hoje a noite;
 
          Ponha seus trapos alegre e proveite comigo;
          Teremos diversão quando o relógio bater uma;
 
          Nós vamos dançar rock por horas hoje a noite;
          Nós vamos dançar rock rock rock até amanhecer;
          Nós vamos dançar rock, nos vamos dançar rock por horas hoje a noite;
 
          Quando o relógio bater duas, três, quatro;
          Se a banda diminuir vamos gritar por mais;
 
          Nós vamos dançar rock por...............;
 
          Quando o alarme tocar cinco, seis, sete;
          Nós estaremos no sétimo céu;
 
          Nós vamos dançar rock por.............;
 
          Quando for oito, nove, dez, onze;
          também estarei forte e você também;
 
          Nós vamos dançar rock por...........;
 
          Quando o relógio bater doze nós o acalmaremos então;
          Começaremos a dançar o rock por horas de novo;
 
          Nós vamos dançar rock por......

E DO CAOS SE FEZ O SOM, "EXILE ON MAN ST." O MELHOR DOS PEDRAS ROLANTES

 
Parece ficção, mas não é. Praticamente quebrados, devendo mais do que poderiam pagar em impostos, temendo perder seus patrimônios devido a uma desastrada gestão de seu empresário-picareta Allen Klein que criou empresas fantasmas e sonegou tudo que pode, brigados com sua gravadora por direitos de catálogo, os Stones não tiveram outra saída a não ser mudarem-se para a França.
 
Isto se deu em 1971. Tempos de vacas e bois magros. Havia muita cobrança de autoridades, policiais, mídia,  enfim toda uma gama de pessoas devido ao porte e consumo excessivo de substâncias, digamos assim, incorretas, além de ameaças de prisão. Finanças desorganizadas, dívidas que nem eles tinham conhecimento, enfim, o caos. E quando você tá com água pelo pescoço toma decisões. E foi o que os caras fizeram.
 
O lugar escolhido foi uma vila chamada Nellcôte, em Villefranché -sur- Mer, perto da cidade de Nice, onde ficou Keith Richards e sua noiva. Mick Jagger, de início, ficou em Paris com sua noiva Bianca. Os outros membros foram para o sul da França. Ou seja, cada um pra um lado. Já com algumas idéias na cabeça o quinteto tinha planos de gravações para um álbum.
 
Acontece que na França e muito menos perto da vila não se encontrava um estúdio decente. Resolveram improvisar: usaram o porão de Nellcôte como estúdio e pegaram toda a estrutura de que dispunham de seu estúdio móvel em cima do caminhão da Banda. Aí você pensa, isto só pode dar merda! Errado, muito errado.
 
 
As gravações foram um caos total. O porão era quente e úmido, mal iluminado, com uma acústica prejudicada. Pela casa circulavam os tipos mais estranhos que existiam por alí: hippies, drogados dormindo pelos cantos, mulheres de todo o tipo, puxa-sacos, jornalistas em busca de projeção, fornecedores de drogas, groupies, filhos de músicos, prostitutas, uma verdadeira sociedade alternativa que faria delirar Raul Seixas.. Isso sem contar que Keith estava numa de suas fases mais brabas, se empapando de heroína diariamente, perdendo a noção total de tempo. Então, quando Mick tava, Keith se chapava e quando Keith tava, Mick transava. Isso obrigou os caras a gravar de uma forma caótica, inusitada. Um deles chegava lá botava uma parte e depois vinham outros e completavam. Aí você pensa, isto só pode dar merda! Errado, muito errado
 
Keith falou: "a música "Happy" foi algo que eu fiz a partir de um riff e com um sax barítono e Jimmy Miller na bateria. Foi uma espécie de jam, já que o resto da banda não tava lá".
 
Bill Wyman disse que o ambiente da casa era péssimo e que ficou de fora de muitas sessões. Fizeram as partes do baixo Mick Taylor e o baixista Pill Plummer. Ainda segundo Wymnan, havia uma divisão entre os músicos. Aqueles que usavam drogas (Richards, Miller, Mick Taylor e Andy Johns (engenheiro) e os que se abstinham como ele, Charlie Watts e Jagger.
 
Mick colocou os vocais somente quando as faixas chegaram na "Sunset Sound Recorders" em Los Angeles, onde também se gravou as partes de piano e baixos adicionais. Outras faixas também foram gravadas por lá. Aí você pensa, isto só pode dar merda! Errado, muito errado.
 
Apesar de todo esse imbróglio a verdade é que o duplo "Exile Main St." se mostrou poderoso e vibrante, do princípio ao fim, com uma pegada que raramente se ouve num disco de rock. Isso vinha de encontro ao que já se sabia de que quando os rapazes pegavam seus instrumentos de trabalho as "pedras rolavam" a milhão. Mesmo debaixo de circunstâncias desfavoráveis fizeram aquele que é considerado o melhor álbum da história da banda. O mais cru, o mais visceral dos discos stonianos. Uma verdadeira obra prima de melodias inspiradas, letras estranhas e extravagantes e harmonias inusitadas. É como se fosse um álbum ao vivo, sem muito apuro técnico, com a voz de Mick um pouco abaixo do normal, ou seja, ao nível dos outros instrumentos.
 
Mesmo não tendo tido uma boa acolhida na Inglaterra, este 10° álbum dos Stones atingiu o 1° lugar nos EEUU e somente um tempo depois a crítica inglesa se rendeu ao óbvio. Era um puta disco. Mesclando Blues, R&B, Country, Soul e Gospel, "Exile...." foi um raio de luz e som no bruxuelante espírito roqueiro que se acomodava naquele início de década. Também dava uma clara indicação direcional para toda uma geração que vieram após como Aerosmith, Whitsnake, Bad Company e outros. Nunca a dupla de guitarras estoniana esteve tão afinada quando Mich Taylor e Keith Richards, muito mais que Brian Jones and Keith, ou Ron Wood and Keith. Aliás, pra mim, o melhor segundo guitarrista que os Stones tiveram foi Mick Taylor. Garoto prodígio inglês participou dos melhores e mais conceituados álbuns da banda como "Let It Bleed", "Sticky Fingers", "It's Only Rock n Roll" e outros.
 
Mesmo não tendo nenhuma canção daquelas que se canta em todo lugar, "Exile On Main St." se mostrou coeso, enxuto, brilhante e com um lugar perto dos melhores discos de toda a história do rock. E Aí você pensa: tudo que tinha pra dar errado, deu no que deu. "Exile On Mains St". uma obra-prima.
 
 
Tópicos:
  • O Nome "Exile On Main Stree" foi dado por Keith que se considerava exilado por ter de fugir dos altos impostos que devia na Inglaterra;
  • Participaram os seguintes músicos além da banda: Nicky Hopkins, Jim Price, Ian Stewart, Billy Preston;
  • Muito tempo depois Keith Richards e Mick Jagger o elegeram como seu preferido:
  • Músicas: "Rock Off, Rip This Joint, Shake Your Hips, Cassino Boogie, Tumbling Dice, Sweet Virginia, Torn And Frayed, Sweet Black Angel, Loving Cup, Happy, Turd On The Run, Ventilator Blues, I Just Wanna See His Face, Let It Loose, All Down The Line, Stop Breakin Down, Shine a Light.
  • Recentemente foi lançado um DVD sobre as gravações deste ãobum.

CALABAR, A PEÇA MUSICAL  DE CHICO BUARQUE E RUY GUERRA QUE DESAFIOU A CENSURA

 
Não que não o fosse, mas assim por cima o dito traidor brasileiro Domingos Fernandes Calabar, nascido em Alagoas em 1600, então senhor de engenho na capitania de Pernambuco serviu de mote para Ruy e Chico confrontarem a ditadura e a versão oficial sobre o histórico e difuso personagem que atuou a favor dos holandeses que invadiram o Brasil.
 
Ora, a história de Calabar é incompleta, confusa e sem fontes confiáveis. Mas a história da ditadura no Brasil não o é. Pelo menos não o foi, embora não pense assim o senhor Jair Bolsonaro.
 
Peça musicada em 1973 entre o músico brasileiro e o cineasta moçanbicano e dirigido pelo gaúcho Fernando Peixoto foi uma megaprodução para a época que custou em torno de 30 mil dólares, empregou mais de oitenta pessoas e gastou com cenário, músicos, aluguel de teatro, figurinistas, etc... etc...
 
Acontece que o regime militar desceu o pau na peça e proibiu sua exibição e também que o nome (Calabar) fosse sequer mencionado. Só após seis anos, em 80 a peça finalmente estrearia, mas aí já com outros atores, outras direção, enfim, já fora do contexto.
 
Assim, na real,  a peça queria fomentar o debate ideológico de uma forma sorrateira (como bem convinha aos músicos e teatreiros da época nesse período) numa mera questão cultural. De forma nenhuma o texto inocentava o Calabar, apenas colocava em xeque a "história oficial" entre épocas passadas e a presente (1970) de uma forma jocosa, debochada, crítica, e no entanto alegre e divertida.
 
O diretor escreveu então sobre o texto: "é mal-comportado e por isso estimula a elaboração de um espetáculo debochado, capaz de assumir a quase anarquia, mas organizando colagem e justaposição de imagens à época". A então produtora Fernanda Montenegro fala sobre a censura mesmo depois de 4 sessões já vendidas: "Perdemos muita grana com a proibição. O que nos salvou foi uma montagem de outra peça 'O amante de Madame Vidal', cujo sucesso pagou as dívidas. Mas o desespero foi tanto pelo prejuízo e pelo medo de uma retaliação mais violenta que sequer guardamos a documentação da peça".
 
O que ficou foi um dos álbuns mais inventivos da história musical brasileira. Décimo trabalho de Chico Buarque foi lançado em 1973 pelo selo Phonogram e reeditado em 1977 com uma foto na capa, coisa que o anterior não teve. Todas as músicas são de uma preciosidade poucas vezes alcançado no meio musical. Chico e Ruy, então no auge da criatividade, personificaram figuras poéticas inimagináveis dentro de um período conturbado, amordaçado e controlado culturalmente. Músicas como "Não Existe Pecado ao Sul do Equador" tornou-se um dos hinos dessa época. Isso sem esquecer a icônica "Fado Tropical" uma das mais brilhantes canções já feitas desse lado de cá do Equador. E se você quer ter uma idéia de como a censura agia ouça a faixa e comprove que na parte da citação a palabra "sífilis" foi cortada: "sabe, no fundo em sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo além da ..... é claro".
 
As músicas da peça estavam todas elas nas vozes de personagens femininas, pois que, Chico sempre teve um talento incomum para compor a partir dessa ótica. Eram elas:
 
"Cala a Boca Bárbara", cantada pela própria que era a esposa de Calabar;
 
"Ana de Amsterdam", cantada pela personagem que era uma prostituta que andava pelo mundo atrás de um marido e com intenções de mudar o mundo;
 
"Fado Tropical", que deveria ser cantada pelo governador de Pernambuco Mathias de Albuquerque, e expressava a visão dos colonizadores sobre a colônia;
 
"Tatuagem", cantada pela personagem Bárbara, enquanto seu marido (Calabar) era executado;
 
"Bárbara", um dueto cantada por 2 mulheres;
 
"Não Existe Pecado ao Sul do Equador", uma marchinha de carnaval que seria cantada por Ana;
 
"Boi Voador Não Pode", cantada por Maurício de Nassau;
 
"Vence na Vida Quem Diz Sim". Foi censurada e só pode ser gravada a parte instrumental;
 
"Cobra de Vidro", que deveria ser cantada por Bárbara;
 
"Tira As Mãos de Mim", cantada por Bárbara e
 
"Fortaleza", também por Bárbara.
 
 
Tópicos:
 
  • A peça foi escrita entre 1972 e 1973, então no auge da Ditadura;
  • Diretor: Fernando Peixoto;
  • Produção: Fernanda Montenegro e Fernando Torres;
  • Deveria estrear no teatro João Caetano do rio de Janeiro;
  • Direção musical: Dori Caymmi;
  • Orquestração: Edu Lobo;
  • Elenco: Tete Medina, Betty Faria, Hélio Ari, antônio Ganzarolla, Lutero Luis.
  • O disco saiu pelo selo Phonogram com todas as músicas cantadas por Chico.
 
 
 

 

MORRICONE CONTINUA IMBATÍVEL, AOS 87 ANOS

Overture "The Hateful Eight":

Ennio Morricone está para as trilhas de cinema assim como as 9 sinfonias de Beethoven estão para as Orquestras Sinfônicas. São indissociáveis. Um não vive sem o outro e todos se completam.

E isto me veio em mente ao saber que o velho compositor e arranjador italiano, então com 87 anos, e ainda trabalhando, é o responsável pela trilha de “The Hateful Eight” (Os 8 Odiados), novo filme de Tarantino, já que nos 2 filmes anteriores, "Django" e "Bastardos Inglorios", o diretor havia, digamos assim, "pego emprestado" alguns temas seus. Aliás, coisa de Tarantino.

O que muda aqui é que Ennio está no seu chão, ou pelo menos naquele pelo qual é mais conhecido: o Western. Não tem quem algum dia não tenha ouvido a trilha de “O Bom, O Mau e o Feio”, “Por Um Punhado de Dólares”, “Por Uns Dólares a Mais”, “Meu Nome é Ninguém”, “Quando Explode a Vingança”, “Era Uma vez no Oeste”, “Era Uma Vez na América”,  todos de Sergio Leone (que aliás está no tópico Grandes Diretores) e que não tenha ficado impactado pelas suas digressões sonoras. Porque a bem da verdade, o velho maestro não faz só trilhas mas também aquilo que se conhece como música incidental, que são os ruídos e sons que ressaltam em uma cena um detalhe qualquer por mais simples que pareça. É quase que um efeito sonoro que é incorporado na montagem final. Foi ele quem primeiro fez isso, o que o tornou um dos mais procurados por cineastas de todas as nacionalidades.

Sua produção é espantosa. Está perto de chegar a um número quase inacreditável: 600 filmes! Sim é isso mesmo 600. No gênero western deve estar batendo na casa dos 80. Dramas, comédias, épicos, ação, suspense, romance, guerra, ficção, programas de TV,  tudo cabe dentro do movimento de sua batuta.

 

Ennio Morricone nasceu em novembro de 1928 na cidade de Roma. Filho de pai trompetista desde cedo mostrou dom para a música, sendo que aos 6 anos fez sua primeira composição. Sua infância foi pobre e difícil, marcada pelo que de mais ruim a 2ª Guerra mostrou aos cidadãos italianos. Mesmo assim estudou em conservatórios e com professores particulares até obter o domínio  de seu instrumento preferido, o trompete. Também estudou piano, aquele  que prefere para compor. Sua grande paixão sempre foi a música clássica, mas isto não impediu que estudasse e tocasse com maestria o jazz, a canção popular italiana, que ele gostava muito e outras formas musicais.

Embora já tivesse feito algumas trilhas foi o diretor Sérgio Leone quem enxergou a potencialidade de Morricone para sonorizar suas cenas. E não apenas isso: o que seriam de muitas delas sem a música do maestro. Sua percepção para exaltar o lado psicológico de personagens ou situações de conflito ou mesmo dramatizar passagens essenciais é no mínimo genial. “A música tem que fazer aflorar os significados subjacentes, aqueles que não se vê”, dizia o mestre. Sua música projeta as cenas de uma maneira que nenhum outro compositor conseguiu em toda a história do cinema. Ela consegue botar para fora aquilo que o personagem traz no seu aspecto mais íntimo, extirpando todos os sentimentos que nem mesmo o diretor consegue visualizar. Que o digam os filmes “Os Intocáveis”, “A Missão”, “Cinema Paradiso” e tantos outros. Sua partitura teve até a ousadia de transformar produções ruins como “Missão Marte”, em um filme assistível. Foi ele quem primeiro botou sonoridades exóticas em suas trilhas tais como sinos, sons de galinhas, guitarra elétrica, todas misturadas com vozes femininas (que ele gosta muito) ou mesmo corais, além de violinos, trompetes, pianos, ou seja, um caldeirão de sons e que, o mais importante, funcionava.

Não tem diretor importante com quem não tenha trabalhado. Pasolini, Giuleo Pontecorvo, Pedro Almodóvar, Edward Dmytrik, Sam Jave, Brian De Palma, Barry Levinson, Alberto Lattuada, Bernardo Bertolucci, Roman Polanski, os irmãos Taviani, Giuseppe Tornatore, John Carpenter (O Enigma de Outro Mundo), Terrence Malick (Cinzas do Paraíso) e muitos, muitos outros. No auge da fama foi convidado insistentemente por Hollywood para se mudar para a América, coisa que nunca fez. Jamais se afastou de Roma, sua cidade Natal, por mais vantajosa que fosse a oferta.

Mesmo tendo sido indicado por 5 vezes ao Oscar nunca o ganhou. Somente em 1987, pelo conjunto de sua obra, ou seja, é mais ou menos uma remissão da academia para com aqueles injustiçados. Não que Ennio precisasse, nunca fez questão e nunca reclamou. Passou ao largo de tudo isso. Sua música soou mais alto que qualquer prêmio, merecido ou não. Mas não premiar aquele que foi o maior de todos é mais ou menos como não reconhecer um Fellini ou um Godard como cineastas importantes para toda uma geração de cinéfilos espalhados pelos quatro cantos do mundo. Aliás, foi nesses cantos e tantos outros que Morricone estendeu suas sonoridades trabalhando com diretores de todos os continentes e de todas as matizes ideológicas e políticas. Nunca quis explicar muito seus métodos de trabalho, sempre afirmou que sua música é quem fala por ele.

Foi trabalhando com Dario Argento em “O Pássaro de Plumas de Cristal”, que experimentou aquilo que chamou de “música estrutural e gestual, já que era uma película muito difícil, complexa, e a música se tornou quase experimental” disse ele, acrescentando que fez um esboço da partitura e os músicos faziam as entradas conforme sua indicação e vendo o filme  rodar.

Sua partitura para “Os Intocáveis” é no mínimo perfeita. É toda pontuada de forma a ser um elemento essencial do filme. Tente ver alguma cena sem música. É impossível, não rola.

“Il Maestro”, como é conhecido por todos certamente vai dar suas caras ainda em outras produções e por enquanto é esperar pela estréia de “Os 8 Odiados”, de Tarantino, que deve dar suas caras por aqui ainda no início deste ano. Sua introdução para este trabalho é no mínimo instigante e mostra que o velho não perdeu o tom. Sua pontuação lenta ao som de violinos  e ressaltada inicialmente por oboés e xilofones e mais tarde por instrumentos graves como fagotes, cellos e contrabaixos e grande orquestra é genial, realçada por imagens quase angelicais de uma diligência que se desloca na neve como que antecedendo ao inferno que irá se seguir. E tudo isto, segundo Tarantino, apenas lendo o roteiro. "Il Maestro" está vivo, muito vivo, e a serviço do cinema, graças a Deus.

 

Tópicos:

  • A banda Metallica costuma começar seus shows com a música “The Ecstasy Of Gold” do filme “3 Homens em Conflito”;
  • A Banda Muse o citou como influência;
  • Compôs o tema da Copa do Mundo de 1978 na Argentina;
  • Tarantino frequentemente “pega emprestado” alguns de seus temas em seus filmes;
  • Sua primeira trilha foi em 1961 no filme “Il Federale” de Luciano Salce.
  • Ganhou cerca de 40 prêmios entre eles o “Leão de Ouro”, em Veneza, Golden Globe Award, Prêmio Vitório de Sicca, Globo de Oro Stampa, na Itália, Golden Soundtrack Award, de Los Angeles.
  • No Primeiro Encontro Internacional de Música de Cinema, em 2007, o maestro esteve no Brasil onde regeu a Orquestra Sinfônica Petrobrás no Teatro Municipal no Rio de Janeiro.
  • Gravou um disco com Chico Buarque de Hollanda chamado “Per Um Pugno di Samba”, que não obteve muito sucesso na itália, segundo Ennio porque o tinha tinha idéias “avançadas demais” para a época. (Você pode ouvi-lo no You Tube).
  • Sergio Leone e Ennio Morricone foram colegas quando crianças ao estudarem no mesmo colégio.

"KIND OF BLUE" E A GENIALIDADE DE MILES DAVIS

 

Ouça a música:

Kind Of Blue é um dos discos mais cerebrais que surgiu na história do jazz contemporâneo, com uma sonoridade que foi sempre imitada mas nunca igualada por nenhum outro músico além de seu criador, Miles Davis.

O álbum tem uma continuidade impressionante, funciona como um amálgama de temas, motivos, cadências, tonalidades e modulações que convergem para um ponto só: uma unidade de idéias.

Gravado em 1959 no 30th Street Studio da Columbia Records em Nova  York pela nata dos músicos da época tornou-se o mais mítico disco dentro da história do jazz, uma obra-prima inigualável de melodias frenéticas, poucos acordes  que proporcionavam grandes possibilidades de improvisações e que vendeu um absurdo, como nenhum outro de jazz havia conseguido até aqui,  o que fez com  que a  Columbia apostasse nesse gênero, que não era seu forte.

O que chama a atenção é a maneira como o disco se desenvolveu. Diz Bill Evans, contratado para substituir o pianista Red Garland, que tinha outro compromisso: “Miles chegou com novas músicas que ele havia escrito horas antes e nos apresentou apenas um esqueleto delas, indicando o que queria em cada uma. O grupo começou a tocar espontaneamente e gravamos um take só, ou seja, foram gravadas ao vivo”. E é isso que torna King Of Blue único.

Outra coisa que incomodava o jovem Bill era o de ser o único branco no grupo. Isso o deixava intimidado diante dos  outros músicos, então consagrados à época: John Coltrane (sax tenor),  Cannonbal Adderley (sax alto), Paul Chambers (baixo), Wynton Kelly (piano) e Jimmy Cobb (bateria). Era um timaço, pra ninguém botar defeito, e que aliás ficaram muito pouco tempo tocando com Miles, partindo depois para formarem seus próprios grupos.

Em realidade era uma época de grande criatividade do trumpetista e que vinha acumulando alguns êxitos com seus álbuns anteriores “Round About Midnight”, “Miles Ahead”, “Milestones”  além do elogiável “Porgy And Bess” que teve uma excelente acolhida de público e crítica. O músico começava a ser tratado com uma deferência pouco usual para um negro no final da década de 50. Seu nome era sinônimo de sucesso e requinte em todas as rodas musicais e também fora dela, junto de celebridades do cinema e de outras áreas.

Em verdade o disco causou uma revolução a época que surgiu, deixando de lado o bebop de Charlie Parker e experimentando novas formas de tocar, improvisando sobre as tonalidades, de forma mais livre e aberta, e que mais tarde receberia o nome de “modal”.

Todas as músicas são em cima do gênero blues, com algumas pitadas de gospel, com Miles deixando o pessoal improvisando livremente, sem partituras, cada um dando sua contribuição daquilo que sentia ou seja, extraindo o máximo dos músicos fabulosos que tinha em mãos. Claro que isso elevou o nível a um plano jamais conseguido por outra gravação, criando um novo caminho para o jazz até ali amarrado a fórmulas complexas, as vezes até herméticas e encerradas em si mesmo num mundinho pouco avesso a novidades.

À época de seu lançamento a resenha do New York Times colocava: “O som do céu”. Vendeu de início mais de um milhão de discos e desde então ficou no top do hit parede do jazz de onde nunca mais saiu.

Foi o inglês Richard Williams que fez a frase definitiva: “foi o álbum que reinventou a música moderna”.

Tópicos:

Lado A:

1)      So What

2)      Freddie Freeloader

3)      Blue in Green ( parceria de Miles com Bill Evans)

Lado B:

1)      All Blue

      2)      Flamenco Sketches (parceria de Miles com Bill Evans)

  • Ashley Kahn escreveu o livro “Kind ofBue – A História da obra prima de Miles Davis”, de 2007, editora Barracuda.
  • Richard Willians escreveu “Kind of Blue – Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna”;
  • Foi gravado em apenas duas sessões numa fita de três canais no estúdio da Columbia em Manhattan;
  • Não houveram ensaios anteriores, tudo foi feito ao vivo e com os músicos conhecendo os temas pouco tempo antes;
  • Em 1994 o disco foi ranqueado em primeiro lugar no “Al Time Top 1000 Álbums”, de Colin Arkin, descrito como “o maior álbum de jazz do mundo”;
  • Recebeu menção de melhor disco da “Rolling Stone”, “Rate Your Music” e “Tower”, revistas especializadas em música;
  • Em 2002 a obra foi uma das 50 escolhidas pela Biblioteca do Congresso Americano para figurar no registro nacional de gravações;

 

 

 

DAS TERRAS DE BENVIRÁ. O MELANCÓLICO E PUNGENTE ADEUS DE VANDRE

Ouça a música: 

 Gravado na França em 1973, durante seu exílio, Das Terras de Benvirá foi o derradeiro registro fonográfico do cantor paraibano nascido em João Pessoa em 1935. E que registro. Talvez não exista na discografia brasileira um disco com tamanha tristeza, que salta da alma para os sulcos do vinil como este. Não é um canto, é um choro, não são canções, são lamentos daquele que pagou um preço altíssimo por não abrir mão de suas convicções, de seus sonhos e por se manter coerente politicamente em meio a um turbilhão que varreu o país e degredou uma leva de artistas e pensadores pra muitos cantos do mundo ou quem sabe, como diz a canção pras Terras do Benvirá.

Geraldo Pedrosa de Araújo Dias foi um dos mais prolificos artistas que este país já teve, um idealista como poucos e que cantou aquilo que viu e sentiu em suas andanças por esta "terras brasilis". Sua história se confunde com a história da ditadura militar, seu engajamento a uma causa (perdida) foi digna. Nunca se curvou, nunca se queixou, bateu de frente contra aqueles que se apossaram do poder  e que levou  ele e uma geração de cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque para o degredo. A diferença é que os outros voltaram e retomaram suas carreiras, Vandré não. Sua carreira terminou em 1968, quando os militares implantaram o Ai5. Desde então nunca mais pisou num palco brasileiro.

Virou ícone de uma geração que sofreu como ele o ódio de uma  casta dominadora que teve não o violão, mas a arma e o coturno como ideologia. Não abandonou  suas convicções ideológicas,  seu ideal libertário,  suas canções instigantes que eram sonhos de um país melhor e solidário de luta de classes contra o domínio opressivo. 

Foi no III Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, em 68, que o caldo entornou. Vandré defendia  aquela que seria o hino da resistência do movimento estudantil contra a repressão dos quarteis "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores" e isto deixou em polvorosa todo o comando do 1° Exército, perplexo com tamanha afronta em versos que entre outras coisas dizia: "Nos quartéis lhes ensinam antigas lições, de morrer pela pátria e viver sem razões". A música não foi a vencedora, não deixaram, como disse anos mais tarde Walter Clark, então todo poderoso da Globo: "recebi um telefonema do comando do 1° exército onde expressamente dizia que a música não poderia tirar o primeiro lugar". A vencedora passou a ser então "Sabiá", de chico Buarque e Tom Jobim, que na apresentação levou uma vaia estrondosa de um Maracanazinho lotado.

Foi na calada da noite que Vandré partiu. Perambulou pelo Paraguai, França, Chile, Argélia, Alemanha  e voltou somente em 1973. No entanto, segundo o jornalista Vitor Nuzzi, que lançou a biografia não autorizada do músico "Uma Canção Interrompida", após anos de pesquisa, é quem nos diz: "De todos os compositores exilados, Vandré foi o único que não voltou. Seu corpo sim, mas seu espírito continua lá fora". O jornalista diz mais: "Vandré nunca foi torturado. É uma lenda. A violência que ele sofreu foi psicológica".

E a partir daí virou mito. Muitas perguntas estão sem respostas até hoje. Segundo alguns ao voltar Vandré se comprometeu com os militares a não retomar sua carreira. Louco, torturado pela ditadura, perseguido... Enfim, tudo o que se podia dizer a seu respeito foi dito. Em verdade ele retomou a  carreira de funcionário público, já que a advocacia nunca exerceu, e as aparições pelas ruas de São Paulo à noite, solitário, com os cabelos em desalinho, mal vestido, virou lenda. 

Mas de uma verdade não se deve fugir. Foi ele quem liderou uma legião de compositores que sugiriram naqueles primeiros anos da década de 60, cheios de sonhos, de ambições, de desbundes, esperançosos de mudanças sociais e políticas, contando a história de gente simples, trabalhadora, humilde. Vandré esteve sempre à frente, foi parâmetro para muitos que hoje colocam em seus currículos a palavra "exilado", como se isto lhes auferissem  uma maior credencial de veracidade, ou de importância. Muitos lhes viraram a cara, não se dignaram a lhe receber ou lhe estender a mão. Seu nome assustava a classe. E como disse o pesquisador e colecionador de discos pernambucano Abílio Neto a 3 anos atrás: "Vandré se transformou num morto-vivo aos 38 anos de idade. Como tem 77, tem mais anos como morto insepulto do que vivo".

Nas poucos entrevistas que concedeu, uma de 77 disse o seguinte ao ser perguntado porque não cantava mais: "Não tenho mais motivações nem razões para isso. O Brasil que conheci a 40 anos atrás não é o mesmo de hoje,  onde predomina uma cultura massificada".

No disco em questão "Das terras... pode -se ainda acrescentar que ele é sombrio, quase sussurrado, o lamento pungente de um homem ceifado de sua criatividade, em tonalidades menores, realçando a dor e o sofrimento que brota da alma de alguém que perdeu seu chão e sua motivação para se expressar.

Na mesma entrevista de 1977, ao ser perguntado que verbete gostaria de ser lembrado, respondeu: "criminoso".

O que fica de Vandré são as mais belas canções que este país já conheceu como "Disparada", "Fica Mal com Deus", "Aruanda", "Quem Quiser Encontrar o Amor", "O meninos das Laranjas" e tantas outras.

DISCOGRAFIA:

1) Geraldo Vandré, 1964

2) Hora de Lutar, 1965

3) 5 Anos de Canção, 1966

4) Canto Geral, 1968

6) Geraldo Vandré no Chile, 1969

7) Das Terras de Benvirá, 1970.

Fez a trilha sonora do filme "A Hora e a Vez de Augsto Matraca", de 1965.

DAS TERRAS DE BENVIRÁ

Lado A

1) Na Terra Como No Céu

2) Das Terras de Benvirá

3) Vem, Vem

4) Canção Primeira

5) De América

Lado B

1) Sarabanda (Tema Livre)

2) Maria Memória Da Minha Canção

3) Bandeira Branca

Gravado em Novembro de 1970 em Paris e lançado em 1973

Marcelo Melo - Viola e Guitarra

Kiko de Carinho - Harmônica

Murilo Alencar - Guitarra

Direçãoi e Produção de Geraldo Vandré

 

 

 WHAT’S GOIN ON OU O MELHOR DA  SOUL MUSIC

Veja o clipe aqui:

Foi em 1° de junho 1971 que Marvin Pentz Gay Jr, nascido na capital americana Washington em 1939, entrou no estúdio Sound Factory, em West Hollywood e gravou aquela que seria a sua canção mais conhecida e executada dentro do cenário mundial. What’s Going On, junto com “ Good is Love” e “Sad Tomorrows”, foi o início de um embate entre o cantor e os executivos da prestigiada Motown, inclusive o presidente da mesma Berry Gordy, seu cunhado, que achava que a mesma não tinha apelo comercial. Gay, que mais tarde mudou a ortografia de seu nome para Gaye, para não ser identificado como o movimento gay ainda incipiente naquela época, bateu pé e ameaçou não gravar mais nenhuma música se o chefão não voltasse atrás.

O disco foi considerado o primeiro trabalho conceitual dentro do estilo R&B  o equivalente ao que Sargent Pepper foi para os Beatles. Ele foi um marco dentro da discografia americana por mostrar pela primeira vez as preocupações de ordem sociais, o estilo de vida da sociedade da época e até com preocupações de desrespeito à natureza. Todas as faixas tem ligação e narra o ponto de vista de um ex-combatente do Vietnã que ao voltar para casa vê um cenário de pobreza, injustiça, sofrimento e ódio.

Nesse trabalho Marvin requisitou aqueles músicos com quem mais se identificava, se encerrou  por noites seguidas no estúdio, e arranjou a maioria das canções, dentro de um estilo despojado, de som direto, sem muitas nuances de mixagem. Era quase que um show ao vivo e foi esse despojamento que deu a ao disco uma cara inovadora e arrojada e que mostrou um novo caminho a uma geração inteira de cantores de soul music.

Primeiramente foi lançado o single “What’s...” que fez enorme sucesso e fez com que a gravadora pedisse ao músico que completasse seu trabalho, que foi feito no ano seguinte.

Segundo Gaye, a inspiração para a música veio quando o cantor da banda Four Tops, Ronald Benson lhe narrou que ao chegar em turnê na cidade de Berkeley, na Califórnia, testemunharam a polícia descer o cacete num grupo de manifestantes locais que protestavam contra a guerra do Vietnã, contra o conflito árabe-israelense e contra a ocupação de um espaço livre pelas forças policiais e que ficou conhecida como Quinta-feira sangrenta. Ao ver aquilo Benson comentou com um amigo: What’s Going on” (o que está acontecendo aqui?). Depois ao comentar o fato com o compositor Al Cleveland este fez um esboço da canção, que posteriormente foi parar nas mãos de Gaye que modificou a letra e a melodia e lhe deu uma versão definitiva.

Este foi o maior disco de soul music produzido nos Estados Unidos e que elevou Marvin como um dos seis mais importantes cantores daquele país. No entanto, o destino cruel e atroz pregou uma peça no infeliz músico. Mais tarde, atormentado por problemas familiares, dívidas, o vício em drogas pesadas, casamento desfeito com briga na justiça por direitos autorais e principalmente desavenças com um pai autoritário e reacionário, Marvin foi assassinado pelo próprio com um tiro de revólver, terminando assim uma carreira que enquanto durou, foi brilhante.

TÓPICOS:

 As canções do álbum são:

 Lado A:

1)      What’s Goin On

2)      What’s Happening Brother

3)      Flyin High

4)      Save the Children

5)      Good is Love

6)      Mercy, Mercy Me

            Lado B:

1)      Right On

2)      Wholy Holy

3)      Inner City Blues

 

 

A TRILHA SONORA DE EASY RIDER

Assista o trailer aqui:

Easy Rider, Music from the Soundtrack, de 1969, é a trilha certa  para o filme dirigido por Dennis Hooper. Um não vive sem o outro. É um simbiose perfeita, um casamento que deu certo entre canções e cenas, quase todas de estrada.

Muitas das músicas foram escolhida pelo editor Donn Cambern, que na montagem do filme procurava aquelas canções que melhor encaixariam na trama, já que o diretor não tava muito afim dessa atribuição, já esgotado e de saco cheia da produção que o deixou completamente esgotado.

Donn então ficou livre para suas pesquisas, já que era dono de um belo acervo de discos. Também entrou em contato com os produtores das bandas que naquela época estavam lançando seus trabalhos no mercado, e que custou um bom dinheiro para usa-los na trilha.

Uma das cenas iniciais do filme com Fonda e Hooper pegando a estrada com suas motocas envenenadas ao som de Born to Be Wild do Steppenwolf ficou gravada na memória dos marmanjos até hoje como uma das mais memoráveis do cinema, alavancando a música a uma vendagem absurda para a época, sendo até hoje um ícone entre os clássicos do rock.

Fecha o disco Roger MacGuinn cantando Ballad of easy Rider, escrita por Bob Dylan, que foi convidado a participar e não quis, entregando a música para Roger, cantor do The Byrds. Ela aparece durante os créditos finais com as motos pegando fogo e os personagens mortos na beira da estrada.

Participaram do disco os seguintes grupos:

Steppenwolf com The Pusher e Born to be Wild

The Byrds com Wasn’t Born to be Follow

The Holly Modal Rounders com If You Want to be a Bird

Fraternity of man com Don’t Bogart Me

The Jimi Hendrix Experience com If Six Was Nine

Roger MacGuinn com It’s Alright Ma e Ballad of Easy Rider, ambas de Dylan.

A Música The Weight foi cantada na película pelo The Band, mas por problemas contratuais no disco a gravação é do Smit.

Enfim, se ta afim de ouvir o que o pessoal tocava lá pelo final de 69, esse é disco é um bom caminho.

 

LIKE A ROLLING STONE, UMA CANÇÃO QUE MUDOU A FORMA DE CANTAR

A faixa original, por direitos autorais, não pode ser ouvida, pelo menos nas mídias sociais e então foi colocada a versão feita pelos Rolling Stones

Ouça a música:www.youtube.com/watch?v=aRYokc3VBC4

Uma batida seca na caixa entrecortada com o bumbo em semicolcheia,  na cabeça do tempo forte de um acorde de Do com  guitarra, baixo,  órgão e bateria por 4  compassos prenunciam a entrada de Like a Rolling Stone, aquela que será  a canção que mudará toda a história musical para Bob Dylan.  A primeira estrofe que diz:

        “houve uma época que você se vestia tão bem,

          Você atirava centavos pros mendigos

           No seu auge, não é?”

Tudo isso numa progressão de Do, Re menor, Mi menor Fa e Sol, (básico)

          “e as pessoas diziam tome cuidado boneca

           Você está destinada a cair”

 Deixou a pessoal da época, 1965 completamente embasbacado. Nunca haviam escutado nada parecido. Nada comparado a temática do rock,  surgido 10 anos antes e  que falava em carros, garotas, festas, bebidas, amores passageiros. Esta contava a história de uma garota (Miss Lonely) em sua decadência moral e afetiva que perde seus valores e bens e que escancara sua vida depressiva. Ah isso nunca havia acontecido, pelo menos até agora.

Esta é a primeira faixa do álbum “Highway 61 Revisited”, lançado no final daquele ano e que chegou a terceira posição em vendas nos estados unidos e em quarto lugar no Reino Unido. E pra quem gosta de gráficos tem mais. Foi classificado pela revista Rolling Stone o quarto melhor álbum entre 500 e primeiro lugar entre as 500 melhores canções de todos os tempos. É pouco ou quer mais!!!!

Em realidade a canção não mudou apenas a cabeça das pessoas mas também foi um divisor de águas na carreira de Dylan, até ali rotulado como um cantor folk de protesto, respaldado por 5 albuns anteriores,  angustiado pelo rótulo que sempre detestou: “eu canto canções apenas” dizia. Se bem que no seu álbum anterior do início do ano “Bringing It All Back Home” já se ouvia o som de guitarras e teclados, mas sempre como complemento. Agora não, agora ao som mostrava uma nova atitude, uma nova roupagem, uma intensidade bluseira jamais mostrada antes. Era um caleidoscópio vertendo um som poderoso, inteiro e desafiador. Isso certamente enfureceu o pessoal mais purista, aqueles seguidores puxa-sacos, bajuladores de ocasião e enclausurados em guetos musicais. Tanto que ao se apresentar com a nova postura em alguns shows, inclusive em Newport, o templo do folk, e depois numa tour na Inglaterra o bardo nascido na cidade de Dululath, no Missisipi, aturou vaias, palavrões e gritos de Judas.

  Nada que abalasse. Aliás, o que Dylan foi, é e sempre será um autêntico camaleão. Sempre fugiu da mesmice. Sempre se reinventou, sempre se reescreveu e surpreendeu quando o esperavam de um jeito e ele aparecia de outro. Na realidade o cara nunca fez questão de mostrar seu passado, suas raízes, seus laços nem seu nome verdadeiro. Nunca foi moldado por agente ou por gravadores, produtor ou mecenas. Ele sempre fez o que quis, cantou como quis e caiu fora quando não se sentia bem. Se você procurar várias gravações da própria música em questão, verá que ele nunca mais conseguiu cantá-la como gravou. Sempre mexeu em suas canções, sempre mudou o andamento, a levada, a harmonia, adiantou ou retardou refrões, fazendo de seus shows verdadeiras jam sessions, e nunca se colocando a frente de seus músicos mas sempre ao lado, como se fosse um integrante da banda.

Quando da gravação da música diz Al Kooper: “eles procuravam um som mas ele não vinha”. O produtor Tom Wilson deslocou Paul Griffin do órgão Hammond para o piano, buscando uma sensação mais vibrante. “Fui até Wilson e lhe disse – hei eu tenho uma parte realmente boa para o órgão ao que ele respondeu: - cara você não toca órgão, você é guitarrista. Enquanto isso ele foi ao telefone e eu assumi. E aí, deu no que deu”, relembra Al, que havia ido ao estúdio apenas como convidado.

Quando o compacto foi lançado naquele ano, as gravadoras receberam a faixa de seis minutos dividas em dois lados pois era muito extensa. Mas logo que ela começou a rodar o pessoal começou a telefonar pedindo para ouvir inteira, o que fez a gravadora prensar outras cópias.

Eu seu livro Like a Rolling Stone de 2005, Greyl Marcus um dos maiores estudiosos de Bob Dylan penetra nesse universo que envolveu toda a gravação e dissecando o aspecto social e político da época e suas antecedências e conseqüências. É ele quem cita o depoimento de uma professora primaria ao ouvir a canção pela primeira vez quando estava em Hastings, na Inglaterra, ao ser entrevistada pela BBC sobre “Like a Rolling Stone”, produzido para a série “Soul Music”. Diz Paula Radice:  “Como eu descobri Dylan tarde, nos anos 80, a música chegou pra mim fresca e totalmente nova. Eu estava sentada num pub, em Durham, em 1984, e eu acho que eles nem serviam mulheres. Haviam mineiros, e outras pessoas e de repente o jukebox começou a tocar a música. Eu não sabia o que era, talvez a única pessoa ali que não a reconheceu. Mas tudo parou. A conversa parou e todos começaram a cantar. E eu pensei que diabos ta acontecendo, eu nunca ouvi essa canção antes, como é que todos a conhecem. Não só a conheciam, eles obviamente a amavam, e a saboreavam , e atiravam a cabeça para trás cantando o refrão, “how does it feel”, numa espécie de uivo. Olhando para trás ela parece realmente emblemática do que estava acontecendo em Durham na época. Quando a música terminou, como se nada tivesse acontecido, todo mundo recomeçou a beber e a falar”.

  • O disco foi gravado pela Columbia Recordes em junho de 65 com os seguintes músicos:
  • Al kooper, órgão; Paul Griffin, piano; Bruce Langhorne, pandeiro; Michael Blomfield, guitarra; Macho Jr, baixo, Bobby Gregg, bateria;. O produtor inicialmente foi Tom Wilson e depois Bob Johnston terminou o trabalho.
  •   As músicas, todas de autoria de Dylan são: Like a Rolling Stone; Tombstone Blues; It Takes a lot to laught it takes a train to cry; From a Buick 6; Ballad of a thin man;  Queen Jane Approximately; Highway 61 revisited, Just Like tom Thumg’s blues e Desolation Row.
  •  Dylan disse que colocou o nome da rota 61 devido a proximidade que sentia com a mesma pois ela começa mais ou menos no lugar onde nasceu (Duluth, Mississipi) e ia até perto do delta do rio Mississipi e passava perto de locais de nascimento de músicos famosos como Elvis Presley, Muddy Waters. Foi a rota onde a cantora Bessie Smith morreu devido a um acidente.